Carrinho de Lomba

Paulo Luís Schneider

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Nas lombas do interior,
Num tempo que já se vai,
Deslizava um pequeno guri,
No carrinho encomendado pelo pai.

 

Feito com tábua e coragem,
Com prego, madeira e amor,
Descia cortando o vento
Na infância do esplendor.

 

Feito por mãos de ofício,
Do seu Olemário, o ferreiro,
Para levar um guri sonhador
Pelas trilhas do mundo campeiro.

 

Rodas feitas de tora,
Com óleo queimado na graxa.
Era mais do que brinquedo,
Era herança que não passa.

 

Meu pai fala com saudade
Das tardes de sol e poeira,
Quando o carrinho voava na terra,
Feito tropa solta em carreira.

 

Os primos vinham ligeiro,
Trazendo riso e calor.
Na ladeira da inocência,
Se plantava o puro amor.

 

Com o tempo, meu avô

foi morar na cidade.
O rancho ficou calado,
E o carrinho, na saudade.

 

Ficou quieto no galpão,
Coberto de pó e silêncio,
Esperando um novo guri
Pra reviver o que foi intenso.

 

Numa tarde de domingo,

Meu pai voltou ao lugar.
A dona o acolheu sorrindo e disse:
"Esse carrinho é teu, pode levar."

 

Hoje eu brinco com alegria
Na rua em frente de casa.
A madeira ainda range,
Mas a lembrança não atrasa.

 

Não tem botão, nem controle,
Nem tela, nem motor.
Mas carrega nas rodinhas
O peso doce do valor.

 

É brinquedo de verdade,
Feito à mão e coração.
Com madeira e com memória,
Com raiz e tradição.

 

É mais que vento no rosto,
É mais que roda girando,
É herança campeira
Que eu sigo carregando.

 

E se um dia eu tiver um filho

E ele me ouvir contar,

Quero vê-lo feliz

Com o mesmo brilho no olhar.

 

E se lhe faltar brinquedo,
Faço com prego e paixão
Um carrinho igual do meu pai
Pra cruzar campo e coração.