UM RETRATO DO MEU PAGO
Kayke Mello
Meu pago é retrato antigo
Na parede de um museu,
É um rangido de carreta
Que à memória se prendeu,
É o canto claro do galo
Do dia que amanheceu,
É o cavalo num potreiro,
Berro rude de um terneiro
Que da tropa se perdeu.
Meu pago é o mate encilhado
Nas manhãs de primavera.
Corruíra que fez seu ninho
Pra mais um ciclo de espera,
Sombra frondosa de copa
Tal figueira de tapera,
É um verso bruto, rimado,
Mas que é feito de bom grado
Transcendido de outra era.
É o silvo de um João Barreiro
Anunciando sua morada,
Erguida de encontro ao sol
Numa estronca serenada,
Que depois do rancho feito,
Recorrendo sua volteada,
Trás no bico uma pitanga
Que roubou, perto da sanga,
Um regalo para a amada.
É um pago feito de imagens
Dialeto de onde eu vim.
É um sentimento terrunho
Genuíno qual curumim,
É o meu princípio de terra
Passado, presente e fim
E por mais que eu calce espora,
Alce a perna e vá embora,
O meu pago está em mim.
Por isso eu canto meu pago
Com olhares sensitivos,
Pois as pinturas do campo
Tecem versos lenitivos,
E a melodia dos ventos
Trás sotaques primitivos.
Fecho a barbela do freio
E até o ringido do arreio
Faz copla pra os motivos.
Meu pago ainda é o mesmo
Do viço dos ancestrais.
Tem água nova correndo
Da costa dos banhadais,
Tem os olhares sinceros
Que não se mede em reais,
Tantas porteiras fecharam,
Algumas coisas mudaram
Mas os valores jamais!