Na presilha de um Cabresto

Maximiliano Alves de Moraes

 

É sempre assim...

Decisões são tomadas

Em consulta com a razão,

Mas a vida

Sempre será regida

Pelas leis do coração!

 

...O tropel da evolução

Trouxe em sua poeira

A conclusão da pesquisa:

- Num momento de apagão

A geração de energia

É o que o país mais precisa!

 

Assim,

Decidido estava,

A hidrelétrica futura

Barrará o velho Costeiro

Bem no Passo do Maneco!

 

Maneco, índio correto

E fiel cumpridor da lei,

Vizinhava o rio Costeiro

Em sua “garra” de terra

Já pela “quarta-do-coice”

De uma vida tranquila.

 

Fora parido ali mesmo,

No velho rancho barreado

Que tinha o rio num costado

E logo adiante  a divisa.

Chacreiro de mínguas posses,

As quais herdara da mãe,

Que o pai, morrera na guerra

Defendendo o “chão maior”.

 

No mais,

Singelos pertences:

Um arado Pula-Toco,

Alguns guaxos,

Um azulego estreleiro

E um rádio caixa de tábua,

Que à noite ouvia “as notícia”

À luz de um velho candeeiro.

 

As suas penas e sonhos

Eram sorvidas pra alma

Na sombra de uma figueira,

Centenária frente ao rancho,

Onde mateava sem pressa

 

Cumprindo o encargo de só,

Pois o traiçoeiro destino

Não lhe dera “obrigação*.

 

... E foi pelo velho rádio

Que ele escutara o seu nome

No mais profundo lamento.

Estava entre os alagados

Que seriam atingidos

Com o futuro empreendimento.

 

Vieram  levantamentos,

Estudos, desapropriações

E cálculos de indenização,

Mas jamais foi avaliado

O amor do homem ao seu chão!

 

... Maneco passava as noites

Velando a luz do candeeiro

Sem entender o porquê,

Seu chão, que ele amava tanto,

Tinha de pagar o preço

Pra levar luz aos povoeiros.

 

Seu ímpeto de Gaúcho

Não permitia chorar,

Mas, a lo largo,

Quando bombeava ao futuro

Uma nuvem de tristeza

Vinha nublar-lhe a visão.

 

Não houve proposta honrosa

Que mudasse a decisão.

Apesar de índio pobre

Não havia soma em cobres

Que lhe tirasse da terra

Que amava com devoção.

 

E com o tranco dos dias

O viço dos seus pesares

Aumentava mais e mais...

 

No chão em que ganhou luz

Queria apagar a vida.

Passeava sob a figueira

Namorando um galho forte

Pra agüentar sua despedida.

 

Cumprida a formalidade

Desocuparam as terras,

Apenas a do Maneco

Não se encontrava tapera.

 

Chega o dia do despejo

E a lei, em sua opulência,

Encontra o velho Maneco

Sem ofertar resistência.

Na presilha de um cabresto

Pendulava num galho forte

Da centenária figueira,

Com os pés arrastando na terra

Que amara a sua vida inteira!

 

É sempre assim...

Decisões são tomadas

Em consulta com a razão.

Mas a vida

Sempre será regida

Pelas leis do coração!

                                                        

                                            

*Obrigação:  família, mulher e filhos