GAÚCHO

Cândido Brasil

 

Bem ao sul do sul do mundo,

na gênese da criação,

à luz da evolução,

eu estava aqui no fundo

junto ao útero fecundo

óvulo por testemunho,

que veio traçar o rascunho

do santo mapa do chão,

de lança firme na mão,

com vernáculo terrunho.

 

No confim meridional,

vim ser base da nação,

p'ra cumprir uma missão

terrunha e espiritual,

meu cordão umbilical

unido ao solo vaqueano,

traz no cerne do tutano

uma têmpera gaudéria

que leva a cada artéria

o sangue rubro pampiano.

 

Ao passo da evolução,

com povos sendo criados,

entre guerras e tratados

em nome da formação,

de pronto firmei o garrão

no hemisfério sulino,

obrando o chão campesino,

dele tirando o farnel,

no empirismo fiel

do atavismo genuíno.

 

Ao sopro da ventania,

na membrana da querência,

deixei minha descendência

plasmada na geografia

e na crua filosofia

da pedra e do carvão,

sorvi mate-chimarrão

po bivaques andarengos,

junto a conclaves avoengos

em volta a fogos de chão.

 

As léguas de liberdade

ornaram minhas retinas,

até chegarem batinas

impondo autoridade,

convertendo a humildade

da inocência pampeira

com sua reza cantadeira

na benção destes espaços

e abracei os quatro braços

da Santa Cruz Missioneira.

 

Pós a primeira visita

do invasor bandeirante

ao meu solo verdejante

com a sua fúria maldita,

numa ânsia parasita,

que vinha nos destruindo,

me toparam resistindo

com as tribos coirmãs,

recuando as almas pagãs

que jamais deviam ter vindo.


A terra que me formou

no tempo que vai além,

era a “Terra de ninguém”

p’ro invasor que chegou,

mas que aqui encontrou

a barbaresca linhagem

da raça xucra e selvagem

que tinha o solo por pátria

e os deuses na via láctea

a alumbrar a coragem.

 

P'ra testar a resistência

chegaram novos intrusos,

os espanhóis e os lusos

com tropas de prepotência,

sentindo força em essência
nos enleios da refrega,

e na mesma ânsia cega

orelhanos, castelhanos,

viram desde à luz dos anos

que o taura não se entrega.

 

Vão mais de quinhentos anos

na guarnição da fronteira,

marcando a cerca lindeira

com outros povos hermanos,

horizontes campechanos

em permanente assembléia,

visualizando a platéia

rica em miscigenação,

de adaga e lança na mão

escrevendo esta epopéia.

 

Quando a América nascia

prestei auxílio no parto

com um repertório farto

de tática e valentia,

honrando a genealogia

a tiro de bola e pealo,

sem aceitar ser vassalo

ou perder a pampa nua,

tatuando marcas de lua

com os cascos do cavalo.

 

Na lonca do território

que defendi com afinco,

nos idos de “trinta e cinco”

com anseio compulsório,

o campo foi o cartório

onde lavrei a certidão

de sentinela do chão,

nativo e libertário,

com espírito plenário

em perene evocação.

 

E na missão sacrossanta

de atalaia primitivo,

com o olhar sempre vivo

e o sapucay na garganta,

a coragem que suplanta

empecilhos e mandatos

nos feitos intemeratos

guiou-me para a conquista

na “gesta federalista”

de chimangos e maragatos.

 

Escrevi minha história

no tinteiro do combate

com meu sangue escarlate

que tem genoma de glória,

entendendo que vitória

é fazer prevalecer

o direito de querer,

de sentir ou de opinar

e desta forma ganhar

até mesmo se perder.

 

E se a vida é de luta,

se luta para viver

e fazer prevalecer

a verdade sem permuta,

mantendo a mesma conduta,

respeito, honestidade,

honrando a identidade

no exemplo de cada ação,

sempre estendendo a mão

p'ra vida e a liberdade.

 

Sou um espírito de fé,

na aura dos tempos novos,

argila dos Sete Povos,

da linhagem de Sepé,

com etnias de pé

no segmento que puxo,

aguentando o repuxo,

bem ao sul do sul do mundo,

com este orgulho profundo

de ter nascido GAÚCHO.