UM CERTO TREM NA MOLDURA

Alcindo Neckel

 

 

A gravura ilusionista

pendurada sem vaidade

traduz a mera saudade

de um velho maquinista!

... tempos de perenidade

pelo labor das andanças

deixava vagas fumaças

com ventos de liberdade.

 

Perpassava o rincão

conservando atavismo!

Tal qual, mero realismo

de um quadro ficção!

... vinha valente o trem

na pintura da cimalha

ignorando a falha

que desbotou o azevém.

 

Foi parceira à locomotiva

do maquinista em jornada

apurado ao rumo de volta

para os carinhos da amada!

... são por essas horas

que o paraíso é na terra

e o trem retornava na serra

pra afagar uma espera.

 

E no outro dia partia

a puxar cargas e planos

bordoniando minuanos

nos longes da ousadia.

O tempo que condenou

veio dando puaço!...

O maquinista estacionou

o seu cavalo de aço!...

 

O quadro é a herança

embora já desbotado

do trem aprisionado

na clausura da lembrança!

... também foi pintado

o paciente condutor

que trajado a rigor

ficará sempre parado.

 

Não é culpa do artista

essa prisão infernal.

É a gravura por realista

exibindo um ponto final.

Mas é neste cenário

dessa distinta gravura

que se reflete a candura

de antigos itinerários.

 

Os olhos do maquinista

foram pintados de azul

numa ânsia egoísta

de bombear norte e sul.

... é quando o coração

pelas noites de andança

tinha à vaga sentença

de sofrer por solidão. 

 

Ao repontar novamente

suas antigas memórias

relembra tantas histórias

por cada vago poente!

... era o apito do trem

nos barulhentos trilhos

nas paisagens que detém

o arrebol com seu brilho.

 

Ah... que doce ilusão!

Ao olhar breve a tela

extasiado na aquarela

pra remoer recordação!

... traduz na relevância

dos trilhos emoldurados,

multicores já perdidas

na imensidão da distância.

 

Já foi trem sul-brasileiro

no orgulho de um General...

Que construiu viadutos

pra transportar o trigal... 

O futuro faz releitura

enferrujada dos trilhos

e na pergunta dos filhos

a resposta é a pintura. 

 

Um certo trem na moldura,

estacionado, sem volta!

Mas a ilusão emoldura

e a locomotiva, sai de volta!

O quadro é a identidade

do gaúcho maquinista

no talento do artista

o cenário do Rio Grande.