Por Estas Lidas de Campo

Lauro Teodoro

 

Enquanto as auroras no campo

ofereciam a dádiva dos arrebóis.

Entre assovios e latir de cuscos

utensílios campeiros no galpão, 

as facas afiadas no baldrame

prontas pra o ritual da carneação.

 

O ambiente pesado da manhã

estampava nas feições dos peões, olhares apreensivos e atentos.

Os guris com rostos pálidos

entretidos...  por ali brincando,

alheios a gravidade do momento.

 

Na mangueira estava inquieto 

a espera da captura, "um ventena", aspado, 

de pelagem brasina.

Desconfiado, ofegante e acuado...

Quando o boi entrou em cena,

aquietou-se o som da aguilhada  

emborcando no laço o alçado;

 

No abismo vertical do silencio

de repente apenas um estouro 

ecoa pelo escuro galpão...

-   O animal ferido berra forte...

Condenado ao talho da sangria, 

por minutos  continua vivo em pé, petrificado...  pelo estertor da morte.

 

O aço voraz da faca, ceifa...

dói, dilacera a carne;  destrói...

Atingiu o brasino na artéria.

Fazendo brotar do pescoço jorros, 

quentes de sangue escuro

que  esparramara nas pedras do chão.

Um tremor arrepia os pelos...

E o espernear chega ao fim.

 

A gravidade do ato causa silêncio...

Os guris se escondem do entrevero, sentindo pena do animal abatido...

 

 

 

Mas logo risadas sacodem a poeira desanuviando o peso tenso do dia.

Mãos ágeis atacam, despojam o couro

da carcaça no floreio das facas.

Talhos fazem retalhos da carne

golpeando as mantas quentes

para o charque no varal do saladeiro. 

 

A lida vai pras águas da sanga

que lava despojos da carneação,

turvando as águas da correnteza. Fragmentos derramado dos balaios,

véus de sebo e o cheiro de sangue  aguçam o banquete dos lambaris.

 

Na cozinha um fumaceio subindo, espetos de varas cravados no chão

costela derrama graxa no brazedo.

Pra um banquete de meio dia, 

num comensal de oferendas,

arrodeado por crianças e comadres..

 

No alpendre tosco do galpão

mãos ágeis enchem lingüiças.

E na panela preta  corcoveia 

os miúdos e preparos de mocotós.

Rondando a porta os cuscos,

batem bocas com as  moscas,

roendo os ossos e despojos.

 

Lá na costa do capão um lindeiro, estaqueia o couro com varas,

pra lonquear preparos de encilha.

Os piás enforquilhados nos petiços vão botando vacas e agalponando,

os terneiros pra o apojo no tambo.

 

Assim no chasqueado do tempo,

a trote, todos bateram na marca.

Restam lampejos  dessas lidas...

O tempo enrijeceu a vida interiorana,

com as tropelias das lavouras...

Daqueles rituais em dia de carneação. 

restou os campos sem alambrados.

Que agora sobre o açude dos olhos

verte um amargo de lembranças.

por estas rudes lidas de campo...