NAS
ESCRITURAS DA EXISTÊNCIA
Adriano Medeiros
De fronte aos olhos, espalha-se
No céu a cor de sangue aguado,
Depois vem um tom azulalo
limpo
E vivíssimo quando abre o dia.
(Pater noster qui es in caelis).
Sempre acordando ali mesmo
A santa hora da sagrada oração,
Mostrando de seu uma energia
E resplendor de sol nascente.
Hábito inquieto de um soldado,
Que fica de alerta ao ver retirar-se
Devagar uma escuridão soturna
Ante todas as coisas e pessoas.
Os homens tornam-se vivídos
Ao sentir aquele grande alívio
Que arqueia e levanta o peito
Sendo o primo suspiro do dia,
Mirando de soslaio o grisalho
Do sol que vem pelas frinchas.
As mulheres rogam em preces
Benfazejas sem medo do dia,
E já vão em busca de sua
labuta,
Agradecem por este que chega.
Bendita seja sempre tu noite,
Que sorrateiramente acoberta
O belo e o feio deste mundo
Com a mesma indiferente capa.
Bem aventurada sejas tu ó luz,
Que incendeia e aponta a nós
O lume solene da nova jornada
Que a todos enleia novamente.
Os bois parceiros ali a ruminar,
Deixando escoar o fio da baba,
Devolve a terra sagrada
Sulcos que são regaços de vida.
Sem mais para ofertar de seus
Além de mugidos compungidos,
Contemplam o campo aberto
Nas lancetas de olhos pequenos.
Qual gório os prende na
faina?
É a terra de clausura e liberdade
Que leva ao caminho assinalado,
E as pessoas repisam passos
São arcas fechadas em suas dores.
O campo, tal e qual o potro arredio,
Recebe a nazarena de ouro dentada,
Que tisna e marca a ferro seu couro
Deixando de herança a vida por vir.
Na terra boa também dá o joio!
Mas eles nunca esperam o pior,
Pois ali está o melhor de cada qual
E será bem vinda à vida que vem.
Macerados pelo calor inclemente
A luz lhes tisna impecavelmente,
Malha a têmpora, fronte e cenho,
Batendo com muita inclemência.
Mas esta não mata, assim como,
O seu livre trabalho também não.
Mas, ocupa as almas que andam
Arando a terra em busca de pão.
As mãos calejadas e unhas negras
De terra, sendo a razão da existência,
Parece pôr-se de luto pela semente
Enterrada,
mas que renasce depois.
Assim, seguem todos à lida bruta
Levando em sua própria soalheira
E com olhos viajando no céu
Como a esperar barras de sombras.
E não tardam a chegar às nuvens!
Vindos com força lá do poente,
Caminhando sobre os campos,
Com uma escura cortina d’agua.
Formosas com um tom argênteo
Seguem com rumo cadenciado,
Parecem pandorgas do sul
Voando “a deus dará” do rincão.
E o campo ali se coloca gentil,
Ofertando sempre de bom grado
Nas palmas grandes das mãos
Os frutos alvissareiros e maduros.
Que palmo a palmo hão de morrer
Ceifados pelas foices dos homens,
Para saciar outras vidas e sempre
Aplacar a fome de quem se achega.
O triste é saber que nestas vidas
O pão é arma pra matar a fome,
Mas ele nunca lhes abre os olhos,
Vão com fé cega e coração vazio...
Qual dos piores? Não sei lhes
dizer!
O sabre de luz de todas as manhãs
Empunhados pelas mãos do tempo,
Sempre há de retornar a bainha
Depois de completar sua viagem,
Quando o sol de golpe se “prancha”
Lá longe na linha do horizonte,
Restando singela candeia de luz,
Vermelho clarão do poente findo.
Em contraponto a última centelha
Que chega de desdém ao zênite,
Na coxilha se encontra “porfia”
O escurecer das barras do cerro.
As lamparinas são como rosários
De estrelas cadentes a reluzirem,
Caídas das mãos da Santa Madre
Que vem sempre rogar por nós.
Os breviários são anestésicos
Para as dores curtidas da alma.
As rezas aparecem um uníssono
Sendo o ato de burilar palavras.
Um falar de dentes para fora
Porque o coração não entendeu,
E este falar não chega a ser mentira,
Mas... Talvez uma ausência de força.
Mas, amanhã total é outro o dia
Talvez sim de ver, não só olhar,
Poucos são os que os olhos tendo,
Conseguem ver fortaleza na vida.
Mas e a existência? Que tal?
Segue uma hagiológica descrição
Que retrata esta sina de homens,
Nem tão santos quanto queiram
Mas... Nem menos que os demônios.