UM TOURO BERRA

Rodrigo Bauer

 

Um touro berra doído...
Até parece um gemido

do pago que, estremecido,

pranteia os tempos que vão...

 

Parece uma evocação!

Que vai trincando o silêncio,
quebrando a calma da tarde

e, pouco a pouco, se encarde

de poeira, sol e capim...

Transcende o som e esmaece
pelos fundões e varzedos,
reacendendo os segredos
que se apagaram em mim!

 

Um touro berra... Eu me calo!
Embora doa escutá-lo,
seu timbre lembra o badalo
do sino da Redução!

 

E enxergo mais que a visão!

Retorno aos tempos de antanho
dos missioneiros anseios!
Aos primitivos rodeios
tataravôs dos atuais...
Um touro berra o presente

mas me conduz, de visita,
à estância-mãe jesuíta
e às Pedras das Catedrais !

 

Um touro berra à distância;
tal fosse a alma da estância

chorando as mágoas e as ânsias

que sofre, na solidão...

 

Parece o meu coração

choramingando recuerdos...
Que, protestando tenência,
teima em mostrar a querência

pra quem querência não tem...

E, quixotesco e solito,

verseja o próprio reduto

tal fosse o touro que escuto
berrando para ninguém!

 

Seu berro ecoa em meu peito...

Acorda velhos preceitos
perdidos e contrafeitos
por esse vasto rincão...

 

Parece gasto... Mas não!

Embora um tanto alquebrado,

um touro que ainda berra

cumpre o seu posto na guerra,
com seu campeiro clarim...

Mugindo, evoca outros tempos,

relembra o cio das novilhas

e a infância dessas coxilhas

 mesmo tão perto do fim!

 

Um touro berra escarvando,
a terra vai levantando;

e o pago inteiro escutando

não segura a emoção...

 

Parece uma assombração!

Quando, de noite, se escuta

em meio a tanta quietude,

seu berro choroso e rude

erguer-se, assim, sem floreios...
Talvez empreste a garganta
a quem já tenha partido
e, vez por outra, incontido,
volte a seu velho rodeio!

 

Seu berro invade o meu mundo...

E, assim, em poucos segundos,

desperta anseios profundos,
há muito, sem expressão!

 

Parece até uma canção!

De nostalgia e saudade,

onde um Rio Grande, tristonho,
cante seus prantos e sonhos,
suas paixões, sua dor...
Saúde ao touro que berra!
Que nunca morra quem canta!
E que me empreste a garganta
mesmo depois que eu me for!