SIÁ CECÍLIA

Carmem Cecília Varella Blaskoski

 

Siá Cecília

não dizia verso,

fazia chá.

Com flor de macela,

“que é bom pro peito

e cura dor de barriga”.

- E sabugueiro, Sai Cecília?

“Bota pra fora a febre e a enzamboação”.

 

De cada um sabia um pouco:

“Folha de mamona não tem

igual pra bronquite,

e tu faz um emplasto com

farinha de mandioca

e água quente.

O carnegão vem pra fora,

escorre a febre...

fica o buraco e tu ta são”.

“Guri chorando é dor de barriga:

maçanilha branca

colhida no campo

molhado de cerração.

Dá bem quentinho pra ele que a dor foge”.

 

Siá Cecília

não dizia verso,

aparava criança.

O mistério ia na mão,

maleta velha, couro roto,

as rugas da cara se abrindo

a cada gemido da mulher parindo:

“ta na hora!

Faz força que a cabeça vem vindo!”

Pra que doutor?

Siá Cecília estava lá.

Não perdia criança.

Guardava segredo do empelicado:

curava o umbigo,

nitrato de prata no olho

pra afastar a tirícia.

 

Siá... Dona... Vó...

Cabelo branco,

óculo de aro quebrado,

cara larga de bugra

numa misturança

de negro, índio, branco.

 

Siá Cecília

não dizia verso,

fazia pão,

fornalha vermelha...

cheiro bom...

peonada farta

com a massa branca

sovada com mão quente.

 

O campo se perdeu na lembrança

dos 16 filhos paridos

 

na cama de tábua e colchão de palha,

da casa de chão batido.

A cidade tirou

a erva do chá,

o forno de barro,

a “casinha das necessidades”,

mas deixou a maleta

do couro cada vez mais surrado.

Pra matar a saudade, dolorida, lá no fundo.

 

Siá Cecília

não dizia verso,

gemia sobre a cama

os seus 110 anos de ossos frágeis,

rugas fundas no rosto carcomido..

Visitinhas “a galope”

dos netos desatentos.

E lá se foi a Vó Cecília

pr’uma festança,

fandangar com os anjos

e receitar chás.

Quem sabe, aparando criança,

sovando pão,

e, por fim, sabe-se lá,

dizendo verso.