Romance do Chico Louco
Caio Felipe
Borelli de Mattos
Lá está, sentado em frente ao
rancho,
Coberto por seu poncho
naquele frio de julho.
Mateava solito, apenas seu baio por
companheiro.
Este é o velho Francisco,
Ou como muitos o chamam:
“Chico louco”.
“É tchê, já ta indo pra uns sessenta, setenta novembros
Que eu tô
nesse mundo.
Ah, quantas andanças já fiz
por esses pampas,
Quantos lugares, quantas peleias.
Minhas idas pra Argentina:
Bailando tango com aquelas gurias.
Aqui no Rio Grande,
Os bailes de candeeiro,
Aqueles costelões
assando num fogo de chão.
Meus tempos de piá, que coisa
buena:
Ajudando meu avô na lida,
cuidando do gado.
Os gritos lá de longe da
peonada
‘Êra
boi, êra boiada!’
As brincadeiras com a
gurizada.
Brinquedos simples,
Mas com eles se passava
tardes e tardes.
Os bodoques, as espadas de
madeira,
Meu primeiro cavalinho de
pau.
Velhos tempos que não voltam
mais.
Todo piá precisa se tornar
homem,
Tomar um rumo e vivê-lo.
Segui os passos de meu pai,
homem valente,
De garra, que passava tempos
sem voltar à estância.
Encilhei meu cavalo
E com a benção da minha mãe
Me tornei tropeiro.
O tilintar do cincerro lá
longe,
As duzentas mulas deixando
rastro por onde passavam.
Rio Grande, Santa Catarina,
Paraná,
Tropeando até chegar
Pra entregar a tropa na feira
de Sorocaba.
A cada parada da tropa era
aquela festança.
Ir aos bolichos
tomar um trago de canha,
As rodas de mate no galpão.
Quando não tinha nada disso,
A dança era nossa alegria,
Sapateio, música, gritos,
divertimento.
Tem umas que até lembro o
nome:
Chula, a dança de índio
macho;
Dança dos facões; Fandango
Sapateado; Chico do Porrete.
Mas, como todo peão, sentia
que me faltava algo,
Até o momento em que a
encontrei,
Flor mais bela do campo, a
rosa mais perfumada.
Era o gaúcho mais faceiro
destes pagos.
Parei com as tropeadas, a
vida de andarilho.
Casei!
Agora eu tinha uma
companheira.
Esse ranchito
eu construí especialmente pra ela,
Fiz lavoura, comprei gado.
Vida simples, mas digna, com
respeito.
Nunca deixei que faltasse
nada pra minha prenda, minha flor.
Dela, era todo o meu amor.
Pensei então que já estava
contente,
Mas o tempo ainda tinha
promessas pra nós dois.
Nasceu meu piazito!
Nossa alegria estava
completa.
Depois da lida, mesmo
cansado,
As rugas já eram muitas em
meu rosto sofrido,
Eu encontrava forças ao ver o
sorriso do piá me chamando... Pai!
Pra ele ensinei tudo o que
aprendi nesta vida.
Seu nome? Álvaro Manuel
Ferreira Neto.
Ele corria por todo o pasto.
Logo aprendeu a laçar, pealar,
Toda a lida de um peão de
estância.
Mas depois que cresceu,
encontrou seu dom:
Era domador.
Andou por todos esses pagos
E nenhum potro velhaco ou um aporreado
Fez ele ir ao chão.
Passaram-se os anos e então,
Estoura a Revolução
Farroupilha!
Para mim, com meu corpo velho
e cansado,
Seria apenas um trapo para o
exército farrapo.
Mas meu filho, com toda sua
coragem,
Foi defender sua Pátria.
A Revolução durava anos, e eu
não recebia nenhuma notícia.
Até que chegou um chasque,
Apenas falando o pior,
A desgraça que me desolou da
vida.
Meu filho, meu piazito,
Tornou-se um bravo homem e tombou
numa batalha.
Foi forte, um herói anônimo.
Morreu peleando,
honrando o pago gaúcho!
Na minha família estava o
vazio
Daquele que iria levar pra
frente meu sangue;
Daquele que um dia deixou a
marca neste pampa.
Meu filho se fora!
Minha xirua
não agüentou a perda de seu rebento,
Enlouqueceu, a vida já não lhe fazia sentido.
Apeou no pingo e galopou rumo
ao nada.
Fui numa carreira pra
alcançá-la,
Mas nada encontrei.
Se está morta? Não sei.
Apenas sei que minha prenda,
O resto de mim,
Também se foi.
Agora estou aqui, solito,
Buscando um rumo pra meu
triste fim.
O que espero se não que me
venha à morte,
Para, quem
sabe, me encontrar com os meus amores.”
O velho Chico pára de falar,
apenas levanta,
Seu olhar rumo ao horizonte,
Suas pernas o levando para perto
do baio.
Encilha o pingo e, de
repente,
Monta nele e se vai, se
vai...
Muitas léguas depois,
Chico sente uma fisgada em
seu peito,
Seu coração acelera
repentinamente.
Percebe que sua hora chegou,
Um fio de vida vai deixando o
seu corpo.
Seu coração pára.
Cai do cavalo, fica estendido
no chão, como um trapo.
Lá está o “Chico louco”,
Apenas seu baio por
companheiro.
Entregaste a sua alma ao
Patrão Velho.
Descanse na paz das novas
brisas.
Vá, siga em frente à
felicidade numa morada,
Lá te esperam os teus amores.