REGALO PARA OS RECAOS DA ALMA
José Carlos Pereira
Cevo um mate, acendo um pito.
As rodilhas de fumaça
carregam o melhor que tenho
Pras bandas do infinito.
Viajo pra’os longes de mim,
Que até a cuia de mate,
- vaqueana do seu ritual -
agarra o rumo contrário.
Mas, a indiada já conhece
Esses quesitos de “loco” que
me “saca” do lugar,
Como, quando um malino sai fazendo regalito,
Variando, igual pandorga sem
rabo, escondendo a cara nas “mão”.
Assim, numa quarteada,
Na comunhão do amargo,
Rezam a prece comigo.
-São eles que me retratam
esses quadros sem moldura:
...Dizem que às vezes,
levanto,
agarro os avios da encilha e me enveredo pra’o campo.
Os ovelheiros da estância já
nem levantam a cabeça,
Só me acompanham com os
olhos.
-O pitoquito
colera, que atende por guri,
este sim - “companheraço”!...
não se desgruda de mim.
Mas logo volto e me sento,
pois,
O calor da cuia amiga, me traz de volta pra lida.
(Ah!...eles
não sabem que, quando me aparto
de mim vou encontrar meu cavalo)
Lembro bem!...
Naquele ano a primavera
chegou mais cedo.
O negro velho- Anacleto,
Fechava um canto de cerca na
invernada do fundo.
Na várzea, perto do mato, vi
a tropilha de mouros,
Crioulos daquela estância.
Meio apartado, pra’um lado,
Tinha um zaino requeimado que
me chamou atenção,
Calçado das quatro patas,
boieira luzindo a testa,
As orelhas de tesoura, as
crinas quase três palmos,
Arremedando, a franjita, de cachos negros compridos,
De fazer “cosca”
nas ventas e, as pupilas bombeadeiras
Como em noite de tormenta.
Pedi ao velho, aquele zaino
pra mim.
-Na minha santa inocência, o
meu avô era o dono,
daquele mundo de campo e tudo que nele havia.
...Nem sei se era tanto campo
ou, se eu, que ainda era pequeno...
o velho chegou a terra no derredor do moirão,
deu de mão no socador e foi
socando por longe,
pensativo, sempre cuidando da linha.
Com calma, puxou mais terra
pra completar o buraco.
Depois, seus olhos cansados
vieram se encontrar nos meus.
- Falavam mais do que a boca -
- Sempre me contava
histórias, das tropilhas de crioulos,
de uma tal cavajuretã.
Mas, guri não tem paciência
para esperar um regalo.
Lhe batizei de,Tupã!...
-Era um Deus o meu cavalo-
Que lindo ver o meu zaino,
no faz-de-conta das lidas
- pechando boi nos apartes.
No entrevero, dum rodeio
campo afora,
Era só um upa e, as quatro
patas do pingo,
Faziam ruflos
de ventos,
Cantando de contra-ponto com as rosetas das esporas.
E...nas tropeadas de agosto!
Meu zaino- comparando, mais
parecia um galpão;
- pelegos
carnal pra baixo, pra travesseiro o lumbilho,
enrodilhado nos “pé” o pitoquinho colera
e o “Campomar” de baeta quinchado por sobre a gente,
amanhecia tordilho.
Mas, o tempo passou...
Meus
afazeres de piá me extraviou do
meu cavalo...
O negro velho - Anacleto,
Lá se foi, também passou...
- Um dia amanheceu feio -
até me deu a impressão
que não tinha amanhecido!...
o minuano redobrava um assobio de saudade
na quincha do santa-fé.
- A promessa era de chuva -
Nestes dias de tormentas,
Com raios pateando o céu, não
convém recorrer campo.
Juntei um feixe de lenha, me
enveredei pra’o galpão.
As labaredas clareavam
O mouro - griz
das paredes e o picumã das tesouras.
E outra luz flamejante,
“alumiava” um negro velho
sentado perto do fogo,
com um cabresto sobre a perna e uma maneia na mão.
Apresilhado ao cabresto,
Tinha um zaino requeimado,
com a imponência d’um perau,
Sombreando todo o galpão.
A “Dalva” luzindo a testa,
As pupilas bombeadeiras como em noite de tormenta.
As crinas quase três palmos,
Arremedando, a franjita, de cachos negros compridos,
De fazer “cosca”
nas ventas.
O mesmo olhar de promessa,
Veio de encontro aos meus
olhos.
E assim, estendendo o braço,
foi me alcançando o cabresto,
Logo em seguida a maneia.
Sem que eu nada dissesse agarrou
o rumo da porta,
Sumindo no breu do campo, que
o temporal empochou.
...um dia, rodo no tempo...
E na serventia da encilha,
Do meu zaino requeimado,
Vou escarceando
pra’o céu!...
Tomara que meus parceiros,
-Irmãos de preces e amargos-
retratem e botem moldura nesse quadro campechano:
-Numa tropilha de nuvens,
que cruzam os quatro cantos do meu Rio Grande altaneiro,
onde um zaino requeimado batizado de Tupã,
de fiador - um Negro Velho,
num mouro luz de boieira
grudadito na
culatra, o pitoquinho colera,
o Campomar na garupa
e, um guri bem gaúcho no lombo deste cavalo
.