Na Sesmaria de Uma Folha em Branco
Mateus Neves da Fontoura
O campo aberto de uma folha
em branco
É terra entregue à inspiração
inquieta...
É sesmaria onde se planta a
alma
Quando o sesmeiro
teima em ser poeta!
De quadra em quadra vai
semeando versos,
Lavoura posta madurando as
penas,
Rompendo amarras de quaisquer
quebrantos,
Colhendo encantos de paixões
morenas...
Repassa a vida, as ilusões,
os sonhos,
Revisa as cercas, vai topando
o tempo,
Conta segredos junto às
entrelinhas
Pelo aramado dos seus
sentimentos...
E vai povoando uma invernada
em branco
Fazendo tropa, reunindo
anseios,
Tarqueando sinas pelas noites claras
Quando a palavra vem parar
rodeio...
Igual ao vento este sesmeiro segue
Sem ter divisa que lhe empece
a andança,
Abre caminhos qual um
bandeirante
Levando adiante um pouco de
esperança...
Se vez por outra silenciam
versos
E a seca insiste em se fazer
presente
Visita a
aguada que traz junto ao peito
E ataca o leito pra fazer-se
enchente!
Pinta aquarelas em léguas de
campo
E céus tranqüilos de estrela
e lua
A brincar de Deus,
emprestando vida,
À palidez de uma invernada
nua.
Colore aos poucos o deserto
fértil
Que aguarda virgem o devassar
do tema
Pra ser fecundo em geração e
fruto
Na floração primaveril de um
poema.
Se vez por outra seu olhar se
perde,
Feito a campear um abstrato
rumo,
Por certo encontra em seu
rastro o verso
Imerso em si a desvendar o
sumo...
Alheio ao mundo ideal dos
fatos,
Com o pensamento muito além
das horas,
Se faz quimera noite escura a
dentro
Pra renascer num arrebol de
aurora!
Com o fio do arado dos seus
sentimentos...
Com a inspiração a imitar
cinzel...
Entalha todo
o seu sentir-semente
Na terra aberta e alva do
papel.
Quando o sesmeiro
teima em ser poeta,
Da sesmaria que ele mesmo
tece,
O infinito vem tocar-lhe a
face
E o horizonte se debruça em
prece...
Não há limite que aprisione a
alma...
Não há distância que não
cruze ao tranco...
Quando o sesmeiro
teima em ser poeta:
Na sesmaria de uma folha em
branco!