Romance do Gumercindo

Lucas Rohde

 

 

Olhar reto no horizonte

Vida perdida no passar o tempo

O vento minuano soprando as melenas

E, na cadeira, o velho.

 

O velho que, há muito tempo,

Andou junto aos tropeiros

Que há muito tempo andou a cavalo

Que há muito tempo foi Ponteiro de tropa...

Hoje só pode pensar.

Pensar no que se foi,

Pensar no que sacrificou,

Pensar nos amigos que

não mateiam mais nesse mundo.

 

A vida:

Essa que é tão bela quanto um bebe nascido há um minuto,

Essa que é tão feia quanto um soldado morto na revolução;

Ela que trás as rugas do tempo!

Ela que trás a experiência do mundo!

Qual é o sentido de tê-la

Sem que possamos fazer vale-la?

 

É assim que pensava Gumercindo!

Sentado ali na porta do rancho,

Só sabia lembrar do que passou

Dos amigos que perdeu na guerra...

Da esposa que passara pro outro mundo...

Dos filhos!

-Onde estão meus filhos!?

Mas os filhos já não podiam ver...

Como seus amigos, os filhos se foram!

Só lhe restava a memória!

Ah, a memória era algo importante!

A única coisa que ficou!

 

Memória dos mortos caídos no campo!

Memória dos amigos mortos caídos no campo!

Memória do catre vazio nos Invernos...

 

-Se pelo menos a amargura dos anos fosse mais doce!

Se pelo menos a morte também me levasse...

O que sou? O que me restou?

Não tenho nada!

O que é a memória sem felicidades?

Pra que tanta saudade?

 

 

E com o mate na mão, o único

que, quem sabe, poderia lhe entender

Gumercindo olhou novamente para o pampa...

Seu olhar se perdeu

e o que foi pedido alguém atendeu!