Lanceiros Negros

Miguel Cimirro (in memorium) e Delci Oliveira

 

Nos varias estendidas as mantas salgadas,

coloreando as “Coqueiro” nas grandes matanças,

boleadeiras ao vento, pealos, bolcadas,

e tropilhas de potros vencendo as distâncias.

O rascunho dos cascos leva os corredores

aos rincões mais remotos das tropas alçadas.

Nas cantigas de ronda lembranças de amores,

nostalgia que ajuda a varar madrugadas.

 

Uma lida mais bruta sombreou o horizonte:

reunindo a gauchada num mesmo critério,

brancos, índios e negros, pañuelo em reponte

a enfrentar a cobiça e o desprezo do império!

Ruboriza-se o verde dos campos em guerra...

clarinadas clamando entre as duras refregas...

a coragem do forte brotando da terra

qual manojos de lanças no fio das macegas.

 

Quanta dor, orfandade, viuvez, sacrifício...

por dez anos durou o cruento concerto,

até vir a proposta de “honroso armístico”.

Libertar os escravos foi parte do “acerto”.

Vitoriosa a vontade de gente farrapa!

Não baixamos a crista, ou beijamos a mão!...

O Brasil remarcava o Rio Grande em seu mapa,

e o gaúcho-soldado era, enfim, cidadão!

 

Ano mil oitocentos e quarenta e quatro,

na calada da noite, novembro, quatorze:

cai o pano ao final do sinistro teatro

que varreu do cenário os guerreiros de bronze.

Para que desarmar a milícia cativa

que não tinha mais pátria, somente patrão?

Tanta esperança e fé e a querência adotiva

em lugar do batismo, deu-lhe a extrema-unção.

 

Foi “surpresa”?... Ou traição” por escusos conchavos?...

Quem levou nos pessuelos os “trinta dinheiros”?...

e dormindo e sonhando morreram escravos

em Porongos – calvário dos negros lanceiros!

Alguns poucos restaram, famintos, feridos,

procurando refúgio com Netto, em La Glória.

(O vento em volta ao cerro semelha gemidos

e há uma tarja de luto num livro de história)!