Lanceiro, Negro e Guerreiro

Bruno Salvagni dos Santos

 

Aquele 31 de agosto

se faz vivo até hoje em minha memória.

 

“Negro que é macho, vem comigo sem questionar”.

-As palavras do coronel

despertaram meu instinto valente-

E eu, que nunca froxei o garrão,

segui o capitão

me despedindo do pago.

 

Lembro bem...

As armas que me deram:

uma lança remendada,

e uma boleadeira judiada.

 

A revolução seguia firme em seu trote.

Já era o terceiro ano a fio

que os farroupilhas

peleavam com sua bravura, sem igual...

...e os imperiais com a persistência...

Uma guerra de bagual.

 

Fui lanceiro,

Fui valente!!

 

Se hoje esta gente

 ainda tem chão,

é porque nunca nos entregamos pra peleia,

mesmo quando os ferimentos iam piorando com o tempo.

 

Quanta dor ao lembrar aquela cena:

 

Os “das armas de fogo” viam suas munições escassear.

Enquanto pro’s “da cavalaria”

faltava o verde pasto para seus cavalos,

e os nossos alimentos, pouco a pouco sumiam.

 

Nove anos de batalhas no lombo!!!

Pra defender esta terra do Sul do Brasil.

 

Chegou então 1844,

numa noite amaldiçoada

alguns peões foram ordenados à desarma.

O alvo eram os lanceiros negros!

 

Quanta covardia dentro de um ser!

Será que essa gente

não é boa o suficiente

pra encarar a empreitada?

Mas um dia esse povo há de ter consciência...

eu hey de ver minha raça

sendo tratada igualmente a todos na sociedade.

 

Em 45, alguns sobreviventes.

Por nós seguíamos lutando até a morte.

Mas quem estava no comando, pelo bem,

-pela tal da estratégia-

Decidiu não arriscar a sorte

e o “PONCHE VERDE” foi assinado.

 

Muitos anos se passaram deste feito...

E hoje, 168 anos depois,

assisto a pior das cenas!

O mundo, já não vê minha presença,

mas meus irmãos, filhos e netos,

seguem sendo alvos de preconceito.

 

Será mesmo que a cor de um ser,

passou a ter o mesmo valor de um estado?

Sim, porque eu sempre fui à guerra

em busca de um território, de um ideal,

jamais empunhei minha lança,

por algum motivo banal.

 

Tamanha é minha decepção...

Frente a uma nação que tenta cada vez

 mais se aproveitar do irmão.

 

Se este negro velho,

pudesse voltar a ter vida

teria um único pedido a fazer:

Que tratem com respeito

quem, pelo pago, deu a vida na revolução.

 

Lembro-me com orgulho

daquele momento em que

-os poucos-

voltavam pro povoado.

 

O capitão satisfeito

por não termos nos entregado, jamais,

com seu jeitão, sempre no entono,

olhava um por um dos seus combatentes...

com o olho brilhando

e sem dizer nada,

fez o maior agradecimento que já recebi.

 

E nós, voltamos pra lida,

ainda com o prazer de poder matear,

mas, o cevador do mate desta vez,

é aquele, que todos dão glória ,

em cima do altar!