VAQUEANOS DE TROPA
E TEMPO
Gilberto Trindade dos Anjos
Firmo o olhar no poente
por sobre o touso
do mouro
vejo o sol tingir de ouro
os remansos do Ibicuí,
sei as manhas das chegadas
pela experiência que trago,
e já escuto a voz do meu pago
que a aragem traz até mim.
Unidos no mesmo abraço
na sombra que lambe o chão,
eu e o mouro -um pelotão-
que avança pedindo vaza...
No papel de comandante
abro clarões no horizonte,
toureando as tropas da noite
de rumo feito pras casas.
Conheço os dramas do ofício
por isto não desarvoro,
nem tampouco me apavoro
se o tempo cisma comigo,
sou desses que não se apuram
e num corredor não me enleio,
pois me sustento no arreio
se a sorte nega o estribo.
Penso no bem que me faz
o dom de embuçalar
temores,
e de amansar dissabores
com ação pronta e destorcida...
O resto eu vou aprendendo
nas horas largas do ofício,
pois o tempo é o meu munício
pra tourear as penas da vida!
Sacudo a poeira dos sonhos
e o meu peito se levanta,
lembrando de uma percanta
por quem me perdi de amores,
e que deixei nos corredores
de um tempo que já se foi...
Enquanto cortava estradas
moldando a minha identidade
e matando a dor das saudades
nos gritos de êra boi !
Enfrentando chuva e vento
combatendo lado a lado,
eu e o mouro -dois soldados-
peleando em busca do pão...
Empurrando os horizontes
na peiteira
dos arreios,
e erguendo sonhos alheios
no valor dos meus “garrão”.
Aprendi com os calejados
a por tenência
nas chegadas,
pois cada desencilhada
é um causo que chega ao
fim...
Por isso que eu vivo assim
enforquilhado nos bastos,
campeando temas nos pastos
para escrever minha história,
e me enraizar na memória
dos que vem depois de mim!
Já sinto o cheiro do pago
e a minha alma se aquieta,
cruzo a paisagem deserta
num trotão de ir pra namoro,
assoviando uma milonga
dessas que assanham até o vento,
fazendo acompanhamento
pro bate cascos do mouro.
Ergo a cortina dos olhos
buscando as réstias do dia,
que se despede em poesia
na tez morena dos campos...
Sigo a tourear meus anseios
nesta sina caminheira,
enquanto a noite campeira
borda estrelas no seu manto.
Vaqueanos de tropa e tempo
com manhas de ser ponteiros,
eu e o mouro -dois parceiros-
cada qual com suas dores,
um resmunga por carinhos
o outro pede a boca livre,
são penas de dois que vivem
com a sina dos corredores.
Levo a alma sobre os bastos
e marcas de tempo no couro,
meu saber é o meu tesouro
que juntei tropeando a vida...
E por andar de crista eguida
sem me curvar a cabrestos,
sei que chegar é um pretexto
pra ajeitar outra partida!