DE QUEM VIVE DOS ARREIOS
Gilberto Trindade dos Anjos
Vive de encilhar baguais
sofrenando os seus
anseios,
e no ranger dos arreios
tropeia ilusões reiúnas
no fogonear das auroras...
Na serventia dos bastos
leva seus sonhos de arrasto
nas estrelas das esporas.
De tanto ajeitar cavalos
perdeu a conta dos golpes
e dos tirões que levou
na labuta do estrivo...
Sem retrucar com o destino
vai desgrenhando a melena
quando atira suas penas
pro lombo de algum malino.
Gosta de ver num palanque
um cosquilhoso bufando
com o pêlo todo arrepiado,
é um convite dos mais quebras
pra um ginete já sovado,
que vive em chão de mangueiras
lavando a alma campeira
na baba dos aporreados!!!
Sua vida é jogar as garras
pra cima de um desbocado
e sair enforquilhado
num barulhento escarcéu...
Pois só acalma suas ânsias
alçando voos do chão,
no lombo de um redomão
beijando estrelas no céu.
Conhece todos
mistérios
e as manhas que “hay” nesta
luta
entre o instinto e a razão.
Nesta estranha mutação
que dois maulas põem na estampa
na iminência de um embate!
E empenhando as próprias
vidas
numa arena de mangueira,
vão misturar suor e sangue
com a ferrugem das esporas,
e escrever mais uma história
pras legendas do Rio Grande!!!
Nem a promessa mais séria
lhe tira dessa toada,
de encilhar as madrugadas
e dar espora a bagual...
Mas quando a alma se inquieta
e corcoveia “aos tirão”,
enseba as suas “de garrão”
e rumbeando pro outro lado
vai tentear algum “regalo”
numa “criolla” Oriental.
E a hora que a estrela Dalva
acende o candeeiro ao longe,
e uma quietude de monge
se estende sobre a querência,
a negra boca da noite
lhe assopra as brasas dos sonhos
em colossais ventanias...
Solta as rédeas “a la cria”
de um xucro sonho crinudo
e vai se grudar em um beiçudo
num rodeio em Vacaria.
Entre uma jornada e outra,
puxa as brasas pra cambona,
e lembra aquela gaviona
que pealou seus pensamentos...
Tráz a guitarra pra o peito
dando vaza aos sentimentos,
e numa milonga baguala
larga suas queixas ao vento!
E assim vai toureando a vida
em cima dos seus arreios,
domando pingos alheios
a puaços de nazarenas,
de seu -as tralhas que até dão pena-
de tanto levar tirão,
e um zaino cor de pinhão
com estampa de parelheiro
que ao trotezito faceiro
nem toca as patas no chão!
Leva o Rio Grande por diante
na peiteira dos arreios,
e nem o tempo mais feio
lhe tira a luz das auroras,
e o tino em cruzar caminhos
na serventia dos bastos,
arrastando sonhos gastos
nas estrelas das esporas!!!