EX-CARRETA

Tadeu Martins

 

Viu, Aurélio?,

Gaiota deve ser gaiola

(sem a travessa no ).

 

Gaiota é clausura onde se encerram distâncias.

Recinto fechado de direito concedido às estradas.

 

Dela não sai rastro

nem o som da terra.

 

O seu procedimento está no asfalto

perdendo ruídos

suportável na aflição das máquinas

sem estilo próprio.

 

Gaiota não tem horizonte

esbarra nas esquinas.

 

Perdeu a vontade de andejar

porque os rumos se corromperam

deixando sonhos pelos acostamentos.

 

Não tem a Estrela d’Alva

nem o passo a passo da esperança

porque a pressa do pão

não tem pachorra de bois.

 

Basta uma gaiota para carregar misérias.

 

O atrelo é diferente da canga

E a regeira da piola.

 

As cargas de erva-mate e de fumo

não têm afinidades com papelões

(nem a tulha com saquinhos de plástico).

 

Por outro lado o delito ainda é maior

usa um cavalo no cabeçalho

(que nasceu para os arreios).

 

Viu, Aurélio?

Enquanto a chapa soldada a forja e areia

cintando o cambotado

rodando rodando pesarosa

no gemido elevado de levar

da carreta cada vez mais longe

estava o progresso do sul.

 

O espírito dela era a dor do eixo

estava o ser livre.

Sua gemência ligava à Terra

elevando no espaço o que o vento pedia

que a cada pouso

o tempo cuidasse de aquerenciar.

 

Lá mostrava aos homens o que era tolerância

pelo sebo da untura da vida

e pelo carvão sem veemência.

 

Por isso hoje o chiar de uma chaleira

nos puxa o coração à paciência.

Por isso que o choro de uma criança

querendo futuro nos leva ao passado.

Por isso que o gemido de qualquer portão

homenageia as estradas.

 

Por isso que estas cidadezinhas

com cadeiras de cambotas ringidas

entardecendo calçadas

têm as dores elevadas do sacrifício dos rastros

para os amanhãs.

 

Não dos amanhãs que andam hoje pelas ruas das gaiotas

destes amanhãs que voltam aqui de novo

carregando os jogados fora

que o coletivo pessoalmente das famílias

não sabe da fome  dos lixões.

 

Veja só, Aurélio,

cada órgão da carreta nascia no mato

copiado de pássaros

para o sobrevir do Rio Grande

e cada órgão da gaiota vem da sucata

para a sobrevivência das periferias.

 

A gaiota vive de carreto

(pelo menos conserva o nome de família).

 

Quando os bois eram cangados na boieira

nos fogões apagados

pousavam sonhos de moradia

não de algo indeterminado

como nos sorteios de casa própria.

 

Enfim gaiota é crise mesmo de carreta

que conforme o teu livrão:

- Fase difícil, grave, na evolução das coisas.