DIFERENÇAS
José Wilmar Pereira de Medeiros
Parado no parapeito
Nicácio olha o horizonte,
Mas não consegue ver nada;
Conversa consigo mesmo
Procurando entender
As diferenças que existem,
Entre ele e o patrão;
Ele nunca teve nada,
Nunca passou de campeiro
E o seu lugar é o galpão.
O patrão na Casa Grande,
Rodeado pelo conforto;
Os campos sempre povoados,
E a guaiaca bem recheada.
Nicácio, só um cavalo,
Um par de garras sovadas,
Um poncho pras invernias;
Pra pelear com o minuano.
Ele nunca entendeu,
Mas quer entender um dia.
Certa feita um povoeiro,
Numa prosa ao pé do fogo,
Explicou meio por riba
Que estâncias como esta,
Foram de seus ancestrais
Que eram donos destas terras;
Mas foram exterminados,
Entre peleias e guerras.
Nicácio o que tu tinhas,
Hoje tu não tens mais.
Nicácio a mais de 500 anos,
Viviam aqui os nativos,
Chamados de irracionais;
Chegaram os espanhóis,
E seus padres missionários,
Foram eles os emissários
Pra mudar esta região.
Mais tarde os bandeirantes,
Mataram e escravizaram
Lavando com sangue o chão.
Nicácio, os governos de além-mar,
Acertaram divisões,
Criaram capitanias,
Distribuiram sesmarias,
Eliminaram os índios
E as suas reduções;
Não satisfeitos se uniram,
Entre Lusos e Espanhóis;
Hoje só restam as ruínas
Dos Sete Povos das Missões.
Nicácio, hoje o símbolo da história,
É o que sobrou da invasão,
As ruínas são atrativas,
Do turismo regional,
Cercadas e protegidas,
Prá poder dar rendimentos;
O índio não pode entrar
Fica do lado de fora,
Vendendo os seus balaios,
Pra tirar o seu sustento.
Nicácio, o padre Roque Gonzales,
Que foi morto por Nheçu,
É o pioneiro do Rio Grande,
Ao fundar São Nicolau;
Devemos a este jesuíta,
E a sua persistência,
Foi ele o desbravador,
Que morreu por sua audácia,
Legando para os gaúchos,
Nossa primeira querência.
Nicácio, no ano de trinta e cinco,
Levantou-se o Rio Grande,
Na revolução Farroupilha,
Numa luta de dez anos,
Entre guerreiros farrapos
E o exército Imperial;
Nela tivemos vilões,
Mas também muitos heróis;
Esses embates perdemos,
Sem perder os ideais.
Nicácio, a formação do pago,
É uma mistura de raças,
Lutou o índio, o negro, italianos,
Espanhóis e lusitanos,
Inclusive Los Hermanos,
Vindos da banda oriental;
Misturaram o seu sangue,
Junto com teus ancestrais;
Hoje a arma é a palavra,
Lutas, não existem mais.
Nicácio, vamos matear,
Que a noite se faz comprida;
Nós devemos ter orgulho,
De nascer nesta Querência,
Só aqui existe a essência,
Do verdadeiro Gaúcho,
Puro, simples, sem luxo,
Mas que ama este chão;
Apesar das diferenças
Entre tu e o patrão.