DEIXANDO O PAGO

João da Cunha Vargas

 

      Alcei a perna no pingo

      E saí sem rumo certo,

      Olhei o pampa deserto

      E o céu fincado no chão,

      Troquei as rédeas de mão,

      Mudei o pala de braço

      E vi a lua no espaço

      Clareando todo o rincão.

 

      E a trotezito no mais,

      Fui aumentando a distância

      Deixando o rancho da infância

      Coberto pela neblina;

      Nunca pensei que minha sina

      Fosse andar longe do pago

      E trago na boca o amargo

      Dum doce beijo de china.

 

      Sempre gostei da morena,

      É minha cor predileta,

      Da carreira em cancha reta,

      Dum truco numa carona,

      Dum churrasco de mamona,

      Na sombra do arvoredo,

      Onde se oculta o segredo

      Num teclado de cordeona.

 

      Cruzo a última cancela

      Do campo pro corredor

      E sinto um perfume de flor,

      Que brotou na primavera.

      À noite, linda que era,

      Banhada pelo luar,

      Tive ganas de chorar

      Ao ver o meu rancho tapera.

 

      Como é linda a liberdade

      Sobre o lombo do cavalo

      E ouvir o canto do galo,

      Anunciando a madrugada,

      Dormir na beira da estrada

      Num sono longo e sereno

      E ver que o mundo é pequeno

      E que a vida não vale nada.

 

      O pingo tranqueava largo

      Na direção de um bolicho,

      Onde se ouvia o cochicho

      De uma cordeona acordada;

      Era linda a madrugada,

      A estrla d'alva saía

      No rastro das três marias,

      Na volta grande da estrada.

 

      Era um baile - um casamento

      Quem sabe algum batizado,

      Eu não era convidado,

      Mas tava ali de cruzada,

      Bolicho em beira de estrada

      Sempre tem um índio vago,

      Cachaça pra tomar um trago,

      Carpeta pra uma carteada.

 

      Falam muito no destino,

      Até nem sei se acredito,

      Eu fui criado solito,

      Mas sempre bem prevenido,

      índio do queixo torcido,

      Que se amansou na experiência.

      Eu vou voltar pra querência,

      Lugar onde fui parido.