CAVALEIROS DOS AUSENTES

Rodrigo Canani Medeiros

Relampeou o ás de espadas

bem na boca do baralho

e a canastra se fez limpa

como a alma dos gaúchos

que cruzam a noite grande

carteando suas lembranças,

trincando anseios e penas,

negaceando alguma dama

pra preencher as ausências

que a vida foi revelando.

 

A geada vai branqueando

tudo de verde lá fora

e o vento frio se esgueirando

nas frinchas do galpão velho.

No meio da madrugada,

quando o candeeiro se apaga,

uma cama de pelego

recebe o corpo cansado

e a velha capa ideal

é quincha pro coração.

 

No outro dia bem cedo

tem camargo e chimarrão,

o crioulo bem encilhado

vai tropeando despacito

no rumo do sol nascente,

até que o campo se acabe

num perau de sentinela,

onde nuvens catarinas

se estendem pela planura

e brotam torres de igreja

dos pagos de serra abaixo.

 

É gente gaúcha que cruza estes campos,

é gente decente que vai nas coxilhas...

São homens que tem

no exemplo do pai

seu maior patrimônio,

e nas preces da mãe

garantia de andar.

Meninos que outrora gastaram caronas

e andaram nos becos de um vale de sinos,

até conquistar um lugar para os seus.

 

É gente gaúcha que cruza estes campos,

é gente decente que vai nas coxilhas...

E que se fortalece

com a geada, com a neve

e com a graxa de ovelha.

Amigos que andam

extraviados no mundo,

mas que nos invernos

se vão pros Ausentes

dar bóia pras almas.

 

Um carreteiro salgado

adoça o gole da tarde

e o borrachão de franqueiro

vai ficando mais leviano.

A canha vai se entranhando

na palavra dos tropeiros,

vai dissolvendo os pecados,

curando as mágoas antigas,

vai preparando o semblante

pra hora da viração.

 

E a noite tem alvoroço,

gritedo e empulhação,

tem churrasco, tem pinhão

e dê-lhe carta no pala.

Quando uma dama de ouro

resta solita na mesa

o pensamento se atiça

e os olhares se entrecruzam...

Causos de lida pesada

ecoam no acampamento.

 

No domingo ensolarado

é hora de voltar,

o corredor é mais triste,

silêncios vêm na culatra.

O Monte Negro prepara

lamentos de cerração

e o pingo tranqueia lerdo

entre as taipas seculares

como a entender nostalgias

que pairam no horizonte.

 

São ligeiras as rodadas

e desigual a partida,

mas a canastra da vida

é mais linda de jogar

quando se tem parceria,

e um amigo pra contar

nas horas de precisão,

qual um coringa de copas

que nos garante a batida

quando o baralho se acaba.

 

O mundo muda depressa

e é dura a lida pra todos,

mas a tropeada é infinita

quando há sentido na estrada,

quando se tem na essência

a alma branca de geada,

quando se tem um emblema

que estampa o peito da gente,

onde se encontra gravado

“Cavaleiros dos Ausentes”!