CARTA AO FILHO AUSENTE
Renato Freitas Júnior
Piá... guri...
nem sei mais como te chamo!
Te escrevo porque tua mãe insistiu...
Disse que se o filho sai de
casa,
quando enfim abre as asas,
é dever do pai oferecer o braço...
Como anda tudo por ai?
Por aqui as “cosas”
andam bem como te lembras... eu
espero!
Os touros... continuam touros...
As vacas... continuam vacas...
Já os pintos não... esses são galos!
Assim como tu, que ainda
ontem saiu do ovo
e hoje vive a cantar... mas
longe de casa...
Bueno, não
te incomodes...
são lamentos de tua velha mãe...
Como andam as leis? E tua
alma?
Ainda inquieto por mudar o
mundo?
Calma... haverá
um amanhã... eu espero!
Assim como o rio, tudo tem
uma cadência certa...
Só peço cuidado,
Escute teu velho pai já tão
sovado
de montar em aporreado e saltar assobiando... lembra?
Tua luta tem que ser como uma
doma...
Olhe o potro... escolha os arreios...
A briga é curta se for bem
pensada
Outra “côsa”
não te junte à manada ouviu?
Por causa de um potro louco,
outros dois rumaram pra o mata burro... te
lembras?
Sabe... às
vezes a lágrima teima em surgir...
Dos olhos de tua mãe...!
Me disse um dia desses que dói olhar
o quarto vazio e mesmo assim... arrumar
a cama.
Expliquei a ela que o campo
há de ter uma voz na cidade
Além do mais, é preciso que aprendas
outras lidas pra... repensar as
nossas!
É a ciência que vai te botar
no prumo...
Mas não se assuste se quanto
mais aprender notar que menos sabe...
é assim mesmo...
o mundo velho impressiona a gente...
Naquela vez que me ajudaste a
capar o bagual gateado,
ficaste espantado quando viste, depois do talho,
que ele tinha um bago só... lembra?
Vai ser assim muitas vezes...
Tua mãe quer saber do pala,
estás usando?
Aliás, ela quer saber mesmo é
de tudo.
Quer saber se andas comendo
bem,
se não tens alguma precisão...
Olha, se precisar de uns
trocos prende o grito que dou um jeito,
aliás, tua mãe dá um jeito e
te manda sem demora.
Escuta, não repara na letra
tremida...
Fiz cerca nova
o dia inteiro, dividi tudo em potreiro...
A empreitada foi tão grande
que agora
fica difícil até firmar o punho.
Como vai a
casa nova? Arrumaste a preceito?
Nós aqui no rancho velho
seguimos sem muito luxo
Pixirica... fogão à lenha... rosca, broa e biju...
E nos domingos galinhada,
como aquela
da despedida... lembra?
Escuta, não repara nessas
marcas no papel...
A chuva de “revesgueio”, cortou o dia
no meio trazendo a noite de tarde...
O santa-fé judiado não agüentou o mandado
E uma goteira teimosa surgiu
em cima da mesa...
Por isso o papel borrado.
Como já te disse, aqui tudo
segue igual
Claro que um pouco mais
vazio...
Deus chama uns, o mundo outros
Mas “tá”
tudo bem... o que é lei é lei!
Quem sou eu pra mudar?
Se me perguntares se sinto tua falta te direi que sim.
Pra marcação é preciso dois,
banhar o gado também...
Preciso de ti... o serviço... anda pela metade!
Bueno... chega
de conversa tenho que ir deitar
Tua mãe, mesmo em silêncio,
sorrindo nesse retrato, me fala tanta coisa...
Fala que sente a falta desse
abraço aprisionado
pelo tempo num pedaço de papel!
Fala que a vida é sempre
doce, mas que pode ser curta...
Fala que é pra mim parar de inventar histórias
e dizer que estou chorando...
Fala que é pra mim dizer que minha
mão está tremendo de tanta saudade que tenho...
Fala que é pra dizer que te
amo mais que tudo...
agora, ontem e sempre...
E me obriga a dizer o que
realmente sinto...
Piá... guri...
meu filho!!
Fazes muita falta...
pois pra um abraço é preciso dois!