CANTOS DE AMOR AO CAMPO
Leandro de Araújo


I

Eis o Campo!
Imensidão verde e viva
dos horizontes infinitos.

Tua história antecede
a luz da própria existência.
A procedência das mortes
das mãos de quem quer conquista
se veio de outros campos.
Não mais instinto buscando a vida nas caçadas...
Não mais sobrevivência no sangue que se derrama...
Agora é coragem e cobiça
que faz verter sangue novo
com a progênie dos homens.

E então mais homens nasceram,
cresceram, morreram e
Muitos mataram em teu seio.
O homem te fez berço e leito de morte
Mas tu, Campo,
sempre ficaste...
Verde e imenso!


II

Antes das naus portuguesas
cortarem as águas, pra lá do nascente
de trás do horizonte,
trazendo em seu bojo
o cavalo e o boi,
- e a branca conquista -
teu verde imponente
emponchava as coxilhas.
E o som que se ouvia nos capões e grotas
não era o berro dos touros,
o relincho dos potros ou farromas povoeiras
com gaitas e vozes.

O ronco dos bugios,
o cantar das cigarras,
o lamento tristonho do velho urutau...
o eco dos ventos nas canhadas vazias.
O pio da coruja que
não trazia agouros ou anúncios macabros,
mas sim o sustento na força das garras
pra inocência dos ninhos.
As vozes charruas
No aconchego das tabas
e o canto das águas
eram os donos da terra.
III

E daí então o europeu se veio
trazendo consigo ganância e conquista
usurpando a liberdade, matando gentes e bichos...
trazendo à terra uma nova vida
e trazendo a vida, um novo mundo.
Mas tu, campo velho! Permaneceu verde e imenso,
como quem finca o garrão na terra e não muda,
entesando a origem e mantendo a forma.

E os andantes passaram no mais...
Missionários catequistas.
Bandeirantes e exploradores.
Guerreiros e mercenários.
Tropeiros e fugitivos.
Colonos, ladrões de gado,
Soldados e coronéis.

Mesmo nas guerras
quando a mão magra da morte
semeia a coxilha com rosas vermelhas,
os bibis florescem por entre os trevais,
- zombando da morte -
insistindo em nascer.
Ironias da guerra
que os campos em paz
nos ensinam a fazer.
Por isso o vento assobia cantigas nas matas,
agitando o arvoredo...
Os salsos ensaiam singelas carícias,
pagando suas dívidas de carinho e amor
usando suas folhas como as pontas dos dedos.


IV
Hoje,
o olhar dos campeiros
mirando o horizonte,
enxerga mais campos
e neles se perde,
pois neles se encontra.
Olhando a si mesmo
com verdes na alma,
lagoas nos olhos
e correntezas no sangue!


Campo!...
Teu coração bate no peito do campeiro
e tua alma vive em cada ninho que abrigas,
em cada furna,
em cada rancho de paredes barreadas
que alicerças com tanto amor.

Estás tão vivo quanto nós!
Ou melhor…
Mais ainda!
Porque em ti a vida brota
Como os bem-me-queres
- sem pedir licença,
nem pagar morada.


V

A modernidade então se veio, campo...
O aço e o cimento mancharam de cinza tuas cores
e a ânsia povoeira fez crescer a cobiça.
A imensidão verde de outros tempos
hoje é uma paródia de tua própria história
de um tempo de origem,
de um tempo de glória
despojado à sombra das grandes cidades.

O tempo foi usurpando as verdades.
A música que se ouve nos campos de hoje
são das cordas do aramado,
compondo em cifras amargas
dedilhadas pelos ventos,
nos atilhos, tramas e moirões,
melancólicas melodias,
em latifúndios e solidão.
Os homens se adonaram de ti, campo...
Rasgaram tua carne
e mancharam de rubro teu verde

Nos peçuelos da lembrança,
levo as cordas de embira,
as sesteadas no pasto,
as coxilhas e cerros...
A vida que brota em linda comunhão…
Porque, se teimo em morrer aqui,
é que também quero ser campo
e me imortalizar neste santo chão.