Nativo

Cândido Brasil

 

Nasci do ventre pampeano

da mãe terra missioneira,

carregando a bandeira

do solo republicano;

mamei até o sobreano

sem nunca pegar pesteira;

na faculdade campeira

fui diplomado paisano,

tendo guascas por hermano

nas três Pátrias sem fronteira.

 

Livre de mal e quebranto,

forjei meu próprio destino

de índio vago e teatino

que de nada sente espanto;

sempre admirei o encanto

do velho pampa sulino

e é bem por isto que opino

quando versejo meu canto,

pois opinando garanto

o amanhã que determino.

 

De a cavalo na cancela

cresci mirando o infinito

e ainda hoje medito,

por que se a vida é tão bela,

o homem transforma ela

em retoços esquisitos,

de erros e faniquitos,

que chega e nos atropela

quebrando tranca e tramela

com seus caprichos malditos.

 

Acompanhei as mudanças

do tempo no seu compasso

e neste crioulo espaço

empunhei firme uma lança,

na defesa e na confiança

de que a nossa tradição

é o elo de ligação

entre o passado e o presente,

para o futuro da gente

ser de igualdade e união.

 

Sou rio grandense de marca

e nunca fui orelhano,

honro o pago pampeano

com a força de um monarca.

Trago gravado na tarca

o rol da nomenclatura

dos cueras que com bravura

defenderam esta terra

na escola bruta da guerra

com idealismo e candura.

 

Levo junto na memória

cada um dos esquecidos,

peleadores destemidos

da luta emancipatória,

que traçaram a trajetória

do Rio Grande hospitaleiro,

com o velho sangue guerreiro

no mapa do campo aberto,

pra ter um pago liberto

no garrão sul brasileiro.

 

Tenho o mesmo pêlo duro

dos habitantes cativos,

índios tauras primitivos,

de espírito tão puro,

que não temiam o escuro

de a cavalo ou de a pé

e enraizados na fé

pelearam até a morte

guiados pela luz forte

do lunar de São Sepé.

 

Corre o sangue estrangeiro

no meu corpo maltratado,

segue junto misturado

com o crioulo pampeiro,

o castelhano lindeiro,

com o espanhol e o luso

e tudo quanto é intruso

que nesta terra chegou

e ao pago se integrou

com os costumes e usos.

 

É esta Pátria adorada,

Rio grandense e brasileira,

minha crioula bandeira

que levo sempre estampada

e com respeito clavada

no coração primitivo;

nascer gaúcho é motivo

pra se morrer bem feliz,

este sul  é meu país

e eu sou terrunho e nativo.