Crioulo

Cândido Brasil

 

Nasci crioulo nessa plaga campechana,

que se esparrama pelas várzeas e coxilhas;

Guasca terrunho com a alma aragana,

raça pampeana da estirpe farroupilha.

 

Cresci solito de a cavalo na cancela

e sobre a cela ajustada no lombilho

sempre vivendo sem luxo e sem floreio,

com meus arreios, esporas e cabrestilhos.

 

Por andar tanto tempo enforquilhado

meio arqueado e com as pernas cambotas,

marca baguala de quem vê o mundo de cima

e sabe o clima das planuras e das grotas.

 

Moldei meu corpo no galope e no trotear

pra me ajustar como ginete e homem,

tendo rijeza na cabeça e nos braços

e no espinhaço até donde perde o nome.

 

Por isso tenho esse jeitão abrutalhado,

abarbarado desde o próprio linguajar;

É o crioulismo que chega mostrando a fuça

e escramuça na forma e no pensar.

 

Vivo peleando as mazelas desta vida

na dura lida de campeiro e changueador,

me destrinchando entre o campo e a lavoura

estrada afora derramando o meu suor.

 

O meu suor tem cheiro de terra e macega

e escorrega pelo lançante abaixo,

vai encharcando couro velho com pelama

da cabelama até o fio do barbicacho.

 

Para matar a sede a água da vertente

que sorvo quente num amargo chimarrão;

Para matar a fome um churrasco gordo

que faço e mordo engraxando tudo a mão.

 

Para me impor carrego as armas na cintura

porque bravura e atenção nunca é demais;

P’ra respeitarem trato todos com respeito

que sou sujeito de coragem e boa paz.

 

Para viver protegido a Cruz de Lorena

e a cantilena para o meu Jesus Cristinho,

para guiar meus passos a estrela boeira

que pelas beira ilumina o meu caminho.

 

Para bem me conduzir o cavalo amigo

que eu bendigo sempre todo santo dia,

de companhia o velho cusco companheiro

o fiel parceiro de rusgas e alegrias.

 

Para seguir um tanto folheiro e disposto

carrego o gosto do beijo de uma china,

é bem assim que passa o tempo o índio puro

e o futuro o patrão velho determina.