AS CHAGAS DA ESCRAVIDÃO

Danilo Kuhn


Foi numa manhã de agosto,

a geada trincava o pasto

e o negro apertava o passo,

sumia na cerração...

 

E, consigo, os pés descalços...

Junto às correntes de aço

levava, no seu encalço,

as chagas da escravidão.

 

A manhã, na Casa Grande,

despertava espanto e alarde

e os de coração covarde

davam início à caçada.

 

Foge o negro, o animal...

Tratavam-no como tal.

- Nasce pra ser serviçal,

não tem alma, não tem nada.

 

Na verdade, estratagema!

O branco que impunha algemas,

sem ter pudor nem ter pena,

ante o escravo era inferior.

 

Pois aquele que escraviza

que não tem alma... a precisa!

Não vale o chão onde pisa!

Não honra ao nome Senhor...

 

... E o Senhor da Sesmaria

de crueldade sorria,

pois até o fim do dia

teria sangue nas mãos...

 

“Se dentro das minhas terras

algum negro se desgarra,

trago de volta na marra,

sob severa punição”!

 

E, de fato, era um açoite...

Por três dias e três noites,

ferro quente e chicote

e intermináveis torturas...

 

E, mais cedo ou mais tarde,

dependendo de sua sorte,

encontrava-se co´a morte

a sofrida criatura.

 

E o negro bem sabia

da soberba e tirania

do Senhor da Sesmaria,

da monarquia em seu trono.

 

Num ato de valentia

deu-se a própria alforria,

naquela manhã tão fria

quanto à alma do seu dono.

 

Escafedeu-se o vassalo

e nenhum branco a cavalo

jamais conseguiu achá-lo

na imensidão da pampa...

 

Dizem que, lá no rincão,

os puros de coração,

em manhãs de cerração,

inda vêem sua estampa...

 

Quanto à velha Sesmaria,

da soberba e tirania,

hoje é terra e moradia

pros descendentes de escravos.

 

E à família do Senhor,

por semear tanto horror,

não sobrou nenhum valor...

Do passado são escravos!