A DOMA DO POTRO BAIO

Balbino Marques da Rocha

      (Excerto do poema A Estância de Dom Sarmento

      E um potro baio-amarelo,

      Que não pelava o lombilho,

      Com cada um coromilho

      De assustar um domador,

      Ali estava no piquete,

      Esperando algum ginete

      Pra passar-lhe o maneador!

 

      Mas tinha uma condição:

      Era, depois de encilhá-lo

      Deixar tão manso o cavalo

      Que, palanqueado o bagual

      Fosse uma china sozinha

      Dar um nó num fio de linha

      Na rédea atrás do bocal...

 

      Não se enxergava um campeiro

      Que agüentasse esse tirão,

      Porque soltar redomão

      A um potro de tal topete,

      Só dá pra fazer picuinha,

      Inda mais atar a linha

      De trás do bocal do flete.

 

      Mas como foi se espalhando,

      A notícia do tal potro,

      Se pensava num e noutro,

      E as morenas como um raio,

      Pois ia ser a rainha

      Quem atasse o fio de linha

      De atrás do bocal do baio.

 

      Nisto alguém se levantou,

      Deu de mão num buçal grosso,

      Num mango cabo de osso,

      Num maneador e num laço

      E foi ali repontar

      O pingo pra encilhar,

      O nosso pardo Amigaço.

 

      É que uma ali, cor de cuia,

      China de trança cuidada,

      Não quis le dar muita entrada,

      E o caboclo, de soslaio,

      Notou que a china estranhava

      Porque ninguém se ensaiava

      Pra repicar o tal baio.

 

      Quando o pardo alevantou-se,

      A chinoca estremeceu...

      "Se este povo percebeu,

      Virge Santa, se pareça

      Que eu fui a causa de tudo,

      Vou dizer ao chilenudo

      Que tire isto da cabeça!"...

 

      Mas já o índio de a cavalo,

      Cruzava lá na cancela...

      Se via aquela panela

      De gente redemunhando...

      Quando o flete disparou

      Foi que a corda se cerrou

      Atrás da orelha enforcando.

 

      E com mais uns tironaços,

      E mais um tino campeiro,

      O bagual, como um terneiro,

      Foi recebendo a carona,

      A cincha juntou-le o basto,

      Um pelego cor-de-pasto

      E a sobrecincha de lona.

 

      Bocal sovado a capricho,

      E rematado em ponteira,

      Que toda a indiada campeira

      Tem a sua manha no apero,

      Cada qual tem seus inventos

      E até pelo nó dos tentos,

      Não copeia o companheiro.

 

      Quando orelhavam o baio,

      E o Amigaço se alçou,

      O povo se encomendou,

      Fazendo o pelo-sinal...

      Mas o Amigaço, mui calmo,

      Deu um nó na rédea, a um palmo

      Pra cá das cruz do bagual!

 

      E é melhor nem mais contar...

      O baio pateou na orelha,

      Pulando um monte de telha

      Que ali estava pela frente,

      E o pardo saiu tenteando,

      Chapéu na mão, gineteando,

      Aos olhos daquela gente.

 

      Dali um pouquito, riscou

      Campo fora se perdendo,

      A indiada foi se benzendo,

      Rezando a Deus com fervor,

      Só bombeando a polvadeira

      Daquela louca carreira

      Por detrás dum corredor!

 

      Passou-se mais um bocado

      De ânsia desengrenada...

      Lá adiante, junto da estrada,

      No rebordo de um capão,

      Amadrinhador do lado

      - O potro vinha estonteado,

      Num trote de redomão! ...

 

      Apeou-se meio por longe,

      Pra não judiar do cavalo,

      Pois não queria surrá-lo...

      E o amarrou num moirão,

      Pedindo prá caboclinha

      Que no mais atasse a fita

      Na rédea do redomão!

 

      A moça toda risonha

      Foi chegando pra o cavalo,

      E no tentar alisá-lo

      O baio lambeu-lhe a manga;

      E depois de atar a linha,

      Considerou-se Rainha,

      Vermelha como pitanga!

 

      Virando para o Amigaço,

      Mesurou-se agradecendo...

      Mas o pardo foi dizendo:

      "M'ia dama, não foi o trato...

      O potro gostou da linha,

      Perdoe se foi a rainha

      Por este preço barato!

 

      Não precisa agradecer,

      Que já me acho bem pago,

      Naquele bocal eu trago,

      Atado, o fio da m'ia sorte...

      Faz de conta que é uma história...

      Não guarde na sua memória

      Este índio vago e sem norte!...