Pêlo Duro
Xavier Valter Fritsch
Patrão, eu sou um brasileiro
de raça muito especial.
Neste atavismo bagual que a minha estampa sustenta,
E pelo tempo se agüenta, mantendo uma tradição.
É o que restou da Nação morena, guapa e machaça.
Testada a poeira e fumaça de muita revolução.
Reparem, não sou comum, neste jeito meio estranho.
E ao ouvir os costumes de antanho que por capricho eu mantenho.
É que o povo donde venho, mais que raça e nativismo.
Herdei o mesmo gauchismo dos centauros de outras eras.
Caudilhos, índios e quéras do mais puro patriotismo.
Minha calma de remanso, de palavreado campeiro,
Que trago dos carreteiros que iniciaram os fogões
Pelos primitivos rincões no amanhecer da querência.
Os que cruzaram a existência carreteando a solidão.
Na eterna sina de peão campeando a sobrevivência.
Como peão, me apresento, pilchado, curto e árduo
Cheio de calos na palma da mão, que arou a terra.
Que degolou nas guerras como se marcasse o gado.
Que dedilha o encordoado da guitarra campesina.
Espalmeia o seio da china na paixão, e no pecado.
Crioulo dessas canhadas, faço parte da paisagem.
Usando a mesma linguagem da lida que o pampa canta.
Na poeira que levanta quando estoura uma boiada.
No canto da passarada alardeando um novo dia.
No minuano que assobia monarca, na madrugada.
No bate patas do flete, no relincho dos baguais,
No canto dos meus ancestrais que ecoa nas taperas
No entrevero dos quéras relampejando os facões.
E diante dos fogões quando ronca um chimarrão.
E na cordeona de botão pelos surungos,
de um galpão.
Dos recuerdos das andanças, trago causos pra contar.
E se aprendi a declamar a pulperia, ensinou.
O pampa, no mais, me educou sobre as regras da labuta.
Me larguei da recoluta que levou os tauras pro povo.
Me fiz campeiro de novo recomeçando, na luta.
Arreganharam os dentes pra muita coisa que eu fiz.
E tem gente que ainda diz que sou maula e bagaceiro.
Se me criei, candongueiro com as manhas que a lida
ensina.
É porque essa vida malina não me levou pra comparsa.
Me enredou na mesma farsa que os do povo, discrimina.
Quarteando mágoas e risos levei num trote chasqueiro
No corredor roseteiro dos andejos e teatinos.
Domando o próprio destino entre culos e impropérios.
Conhecedor dos mistérios do sem fim das sesmarias.
Eu tenho alma de poesia e um coração, de gaudério.
E aqui estou, meu patrão, cortado de alça de gaita.
Com esta imponência de taita, um tapejara
curtido.
Do corredor percorrido, alguns trechos obscuros.
No peito, este orgulho puro e forte como a própria crença,
De ser assim, de nascença, um gaúcho, pêlo duro.