DE MATUNGOS E GAITAÇOS
Xavier Walter Fritsch
De matungos e gaitaços, me
fiz peão por destino.
Que outra sorte um campesino
pode cobrar desta vida,
Se os pobres nascem pra lida
e a mim tocou ser campeiro?
Desde guri cavaleiro, domador
por profissão.
Por lambuja do patrão com a
graça de ser gaiteiro.
Voando em baguais e potros,
pernas firmes sem esporas,
Num galope campo fora, o
pasto é o céu esverdeado.
Me vou de chapéu tapeado, contando com Deus e a sorte,
Não tenho medo da morte, mas
nunca afrouxo o garrão
Pra lidar com redomão, olho
aberto e braço forte.
Por respeitar as crendices,
não enfreno na lua nova.
Certa feita eu tive a prova
de um mouro que deu babão,
De natureza, quebralhão, se
aporreou por ser malino.
Tinha a marca do destino, me
palpitou na pegada,
Bagual da venta rasgada não
nasce pro pasto fino.
E quando as noites se amansam
nas luas cheias do outono,
Nem se mexe o cinamomo prá
escutar canto e cordeona,
Uma
polquita chorona, num trotezito chasqueiro,
Embala a luz do candeeiro
anomando as sombras mortas,
E o folo rouco se entorta num
compasso galponeiro.
Não raro o sono se arisca e a
solidão me acompanha.
Golpeio um trago de canha e
enquanto a noite se alonga,
Vou repontando milongas das
hileiras assoleadas,
E as rudes mãos calejadas de
mango, rédeas e crinas
Vão se parando franzinas no
acorde das madrugadas.
Primeiro, o canto dos galos,
depois a barra do dia.
A boieira, estrela guia, aos
poucos vai se apagando,
Do pampa se levantando,
nessas auroras serenas
Brotam xucras cantilenas no
clarim da passarada
Com relinchos da potrada e o
guizo, das nazarenas.
Rodadas,
não tive muitas, em domas, se roda
pouco,
Mas "hai" sempre um
potro louco, velhaqueador, caborteiro,
Que o índio por mais ligeiro,
não se afirma nos arreios
Às vezes, um
tombo feio, às vezes saio parado.
Por isso evito alambrado e o
pelado dos rodeios.
Pelos surungos do povo,
tocando gaita em bolichos,
Vez por outra algum cambicho
reacende o sonho de um rancho,
Mas o destino carancho me
acorda num sofrenaço
E aos corcovos e laçaços,
sempre lidando sozinho
Volto a trilhar os caminhos
de Matungos e Gaitaços