Contam que os causos do velho,
aquilo era tudo mentira.
De trompar com os castelhanos,
da degola dos paisanos,
das tropeadas de mil reses,
sob um tendal de balaços,
ou corpeando algum pontaço
de soligens e orelhanas.,
peleias de um trabuzana,
de um caudilho imaginário
da idéia desse xiru.
Eu me lembro muito bem
de quando o velho se foi.
Era uma noite cinzenta,
que a lua clareava o pampa,
fiquei bombeando pra estampa
do velho tomando mate.
Olhos tenteando o borralho,
como a cmpear um atalho
que lhe encurtasse a tropeada
que o tempo alongou demais.
Foi peão, foi capataz
e se ajustou de patieiro.
Sonhou de ser estancieiro,
que todo o campeira sonha,
e o destino sem-vergonha,
mui velhaco e caborteiro,
fez do velho um veterano.
Melena branca dos anos
e das geadas das rondas
nas quarteadas da existência.
O velho contava um causo
como ninguém na querência,
cheio de impertinências,
ele era muito de lua.
E entre meias verdade
na ribalta dos galpões,
entretendo gerações,
se fez legenda na estância,
herói de muitas infâncias,
clichê de pátria e fronteira.
- Tio Joca me conta um causo
prá esse guri mui ladino,
que é pra ver se ele se aquieta
e vai dormir de uma vez.
O velho fechava os olhos,
na recoluta de estórias,
e aprumando a memória
empessava um "Certa feita"
a narrativa perfeita
no silêncio da peonada.
- Tio Joca me conta um causo
daqueles bem bagaceiros,
de encabular o chinaredo
e assanhar a xiruzada.
O velho dava risadas!
Corria os olhos na volta
como pedindo licença,
tapeava o chapéu na testa,
carão cheio de malícia
no estilo bem debochado.
- Tio Joca me conta um causo
do tempo das casas velhas,
de heróis de revolução,
de tauras de valentias,
dos baguais das sesmarias
que retumbaram este chão,
dos piquetes dos farrapos
e das patriadas que a estória
guardou na rude memória
desses xucros literatos.
- Tio Joca me conta um causo
daqueles de assombração,
de boitatá, ou então,
me conta um causo a preceito,
capricha, bem do teu jeito,
do Blau Nunes, Matim Fierro,
do Flores contra o Honório...
E aquele xiru simplório
deixava o brilho dos olhos
escapar por entre as rugas.
- Tio Joca me conta um causo
que fale da própria vida.
Naquela noite de prosas,
igual a tantas passadas,
o velho tava mais quieto,
deitou no catre mais cedo
e nunca mais levantou,
de resto, seu último dito:
- A vida é um causo sem graça,
que não vale a pena escutar.