CONTADOR DE CAUSOS

Xavier Walter Fritsch

 


Contam que os causos do velho,

aquilo era tudo mentira.

De trompar com os castelhanos,

da degola dos paisanos,

das tropeadas de mil reses,

sob um tendal de balaços,

ou corpeando algum pontaço

de soligens e orelhanas.,

peleias de um trabuzana,

de um caudilho imaginário

da idéia desse xiru.

 

Eu me lembro muito bem

de quando o velho se foi.

Era uma noite cinzenta,

que a lua clareava o pampa,

fiquei bombeando pra estampa

do velho tomando mate.

Olhos tenteando o borralho,

como a cmpear um atalho

que lhe encurtasse a tropeada

que o tempo alongou demais.

 

Foi peão, foi capataz

e se ajustou de patieiro.

Sonhou de ser estancieiro,

que todo o campeira sonha,

e o destino sem-vergonha,

mui velhaco e caborteiro,

fez do velho um veterano.

Melena branca dos anos

e das geadas das rondas

nas quarteadas da existência.

 

O velho contava um causo

como ninguém na querência,

cheio de impertinências,

ele era muito de lua.

E entre meias verdade

na ribalta dos galpões,

entretendo gerações,

se fez legenda na estância,

herói de muitas infâncias,

clichê de pátria e fronteira.

 

- Tio Joca me conta um causo

prá esse guri mui ladino,

que é pra ver se ele se aquieta

e vai dormir de uma vez.

O velho fechava os olhos,

na recoluta de estórias,

e aprumando a memória

empessava um "Certa feita"

a narrativa perfeita

no silêncio da peonada.

 

- Tio Joca me conta um causo

daqueles bem bagaceiros,

de encabular o chinaredo

e assanhar a xiruzada.

O velho dava risadas!

Corria os olhos na volta

como pedindo licença,

tapeava o chapéu na testa,

carão cheio de malícia

no estilo bem debochado.

 

- Tio Joca me conta um causo

do tempo das casas velhas,

de heróis de revolução,

de tauras de valentias,

dos baguais das sesmarias

que retumbaram este chão,

dos piquetes dos farrapos

e das patriadas que a estória

guardou na rude memória

desses xucros literatos.

 

- Tio Joca me conta um causo

daqueles de assombração,

de boitatá, ou então,

me conta um causo a preceito,

capricha, bem do teu jeito,

do Blau Nunes, Matim Fierro,

do Flores contra o Honório...

E aquele xiru simplório

deixava o brilho dos olhos

escapar por entre as rugas.

 

- Tio Joca me conta um causo

que fale da própria vida.

Naquela noite de prosas,

igual a tantas passadas,

o velho tava mais quieto,

deitou no catre mais cedo

e nunca mais levantou,

de resto, seu último dito:

- A vida é um causo sem graça,

que não vale a pena escutar.