ANSEIOS
DE UM DESGARRADO
Xavier Valter Fritsch
Há muito que conto estrelas
nas noites de solidão.
E as cordas do meu violão,
dedilhadas nas pousadas,
deixaram nas madrugadas
ecos de prima e bordão.
Um dia os olhos de moço,
buscando o longe da estrada,
enxergaram noutras terras
o que os braços campesinos
não colheram por aqui.
E foi num upa
que me fui a esmo,
beber distâncias, repontando o vento,
abrindo as asas, descobrindo o mundo
e o preço alto dessa liberdade.
Gastei meus olhos de moço,
campeando sonhos sonhados
por entre campos alheios
e trilhas que se perderam
sem ir a lugar nenhum.
Fui sempre um estranho andejo
nos pagos que percorri.
Pra quem anda por aí,
são raros os companheiros
e os abraços verdadeiros
dos irmãos da mesma cepa.
Riquezas,
juntei algumas,
todas elas materiais.
Comprei as chinas que tive,
que nunca me compreenderam,
e as querências adotivas
mal e mal me conheceram.
Me
prolonguei nas andanças
por vergonha de voltar.
E misturando matizes,
sem nunca criar raízes,
na ânsia de desgarrado
sinto me afundar o peito
e os olhos empapuçados,
quando escuto uma cordeona.
"Voltar
é como morrer...
... render-se
como um covarde"
Quem sabe a tal de saudade
é um sentimento dos fracos,
que se amedrontam por pouco?
Mas quando as noites de
insônia
me varam as madrugadas,
o pensamento descampa
de volta, no corredor,
cantando cantos antigos
timbrados no coração.
Ouço ecos galponeiros
com tiritar de chilenas
e relinchos de cavalos.
As narinas inconcientes
se alargam como querendo
sentir o cheiro da lenha
queimando nas labaredas
do fogão do meu galpão.
Se um dia eu puder voltar,
quero voltar num inverno,
quando o pago é mais gaúcho.
Pra ouvir o vento cantando
na pauta dos aramados,
enquanto as brasas se agrandam,
nos borralhos galponeiros,
para aquecer as cambonas.
É quando as sombras da tarde
alongam ranchos e cercas
na mansidão da campanha.
Os dias deitam mais cedo
e o pasto se encolhe todo,
aos laçaços do Minuano
e os golpes do vento sul.
Ah! Meu Rio Grande, minha
querência.
Já me vale, pelo menos,
ter um pago pra voltar.
Com rancho e galpão
companheiro.
E a vocação centenária
de palmear cuias de mate
e ficar olhando os bichos.
Enquanto a volta não chega,
trago o Rio Grande na estampa,
no sotaque e no cantar.
Renovando, a cada mate,
o sentimento terrunho
e a certeza de que ainda
somos os grandes herdeiros
desta querência gaúcha!