DIA DE VERÃO GAÚCHO
Vargas
Neto
A
noite amadureceu a madrugada
e o
dia vai abrir os lábios vermelhos da manhã,
para
engolir a sombra
numa
grande risada
de
sol.
Sinto
a alegria verde da manhã do Pampa!
O campo
está todo enfeitado de miçangas,
porque
a noite enfiou as continhas brancas do sereno
nas
hastes lisas das flechilhas.
Eu
saio de pés descalços para a sanga
e
vou amassando sob os pés molhados
os
desenhos do orvalho sobre a grama fofa.
Mas
quando abaixo e vejo todo o céu
na
água beijada...
vejo
a última estrela, que ficou
bisbilhoteira,
para
espiar o sol e ver a cara que ele tem,
e
depois ir contar às companheiras,
que
não puderam ficar para vê-la também.
Tenho
medo de engolir a estrela D’alva.
Mas
me debruço e vou beber o céu...
Como
era fresco o céu da minha terra!...
Meio-dia:
Todo
ar treme sob o sol do meio-dia!
O
capim, se dobrou sobre si mesmo, trepidando...
A
gente olhando o campo
tem
a impressão que derramam sobre ele
qualquer
cousa derretida!
O
gado invadiu as restingas e os capões,
para
fugir à graxa quente, que o sol derrama derretida
sobre
a grama.
No
lombo da coxilha
só
um cavalo velho bate o casco,
varado
de sede,
porque
teve preguiça de fugir do sol,
porque
tem preguiça de descer a sanga!
Debaixo
dos cinamomos da fazenda
a
peonada dorme, estirada de costas, com o chapéu nos olhos.
Um
guaipeca, deitado aos pés de um peão
erra
bocadas nas moscas, estalando os dentes.
Depois
cocoricoca uma galinha que botou
e
tudo volta ao silêncio porque o calor tonteia.
Até
o vento tem preguiça de ventar!...
Apenas
se ouve, zunindo, longo, infindo,
o
monótono zunzum das moscas vagabundas...
Tardezinha:
O
sol espia atrás da última coxilha.
A
tarde é úmida e morna como um beijo,
na várzea
morena como um corpo de china.
Na
várzea onde a primavera passou
e
deixou estendida uma colcha de chita!
Eu
me deito no treval macio
e
fico estirado olhando o céu crioulo.
Que
cama boa e que coberta linda!
Estou
sentindo o hálito das flores
porque
o campo abriu mil bocas
para
me beijar.
As
corticeiras florescidas
estendem
uma tira de sangue
no
flanco da restinga.
Quando
a tarde cochila nas primeiras estrelas
o
vento anda borracho de perfume.
E
nesta hora eu me lembro de ti,
nesta
hora de mistério e de lembrar,
porque
és moreno como o chão do pago
com
um cheiro de várzea ao sol entrar.
Noite:
A
coluna do dia já bateu em retirada,
porque
o sol foi ferido,
inundando
de sangue
toda
a estrada do poente
só
ficou a retaguarda que o crepúsculo manda,
resguardando
a coluna
da
avançada inimiga...
Mas
já cede terreno aos piquetes de sombras
da
vanguarda da noite,
que
se adona do campo...
É
um clarim de vitória a presença de Vésper!...
A
batalha está ganha!
Vem
a lua chegando...
E
soberba e serena,
caudilhando
as estrelas
toma
conta do céu...