REFLEXÕES DE UM GAÚCHO
Vaine Darde
O
que se passa afinal?
será estou invisível
ou vocês são meu delírio?
Será
que ninguém me vê
com este baita chapelão
e um cavalo de monarca?
Ou
eu estou transparente,
ou vocês são todos cegos.
Aqui
estou. Aqui estou
com centúrias de história
e quilômetros de campo.
Geografia
conquistada
sobre o lombo do cavalo.
Mesmo
assim, ninguém me vê...
Todo
mundo me ignora!
Quantas vezes já morri
peleando com castelhano
por uma nesga de mapa?
Quantas
vezes me mataram
por desafiar o império
GRITANDO
que estou aqui!
Mesmo
assim, ninguém me vê...
Quantos
vagões de seara
distribui pelo país
quando o pampa era um celeiro
sangrando safras douradas
pra deleitar os tiranos?
Me mataram tantas vezes
quando judiado de sal
eu tinha o ouro do charque
que engordava os navios.
Enquanto
o velho império
lambuzava-se na corte,
me deixando ao deus-dará
nos confins das sesmarias,
quem digladiava de adaga
com o paisano invejoso
que bolinava a fronteira?
Eu
sempre estive presente,
não declinei das peleias,
eu nunca fugi da raia,
nem em encolhi no tambor.
Quando
a causa era a Pátria
que se formava no Sul,
quando o ideal era o homem
espoliado pelo homem,
sempre estive por aqui.
O
vermelho na bandeira,
foi meu sangue que tingiu.
Eu
não nasci brasileiro
mas me tornei por vontade
num tempo de formação
quando paisano e patrício
se mesclavam pelo pampa
sem limite e identidade...
Eu,
sim, morri de lança na mão
pra erguer esta nação
que há muito me despreza,
desde tempos ignotos.
Sendo
o garrão do país
eu sustento sobre os ombros
esta terra-continente.
Mas,
talvez, me menosprezem
porque me visto de história
e de bota e bombacha
me enforquilho sobre um potro
transpassando mais um século,
contrariando a ganância
da Matriz que não me vê!
Mesmo
assim, de qualquer jeito,
vou morrer mais uma vez,
e quantas vezes quiserem...
Não,
pra me separar
pois a escolha foi minha...
Vou
morrer mais uma vez,
se assim preciso for,
pra continuar brasileiro
de mestiçagem chirua.
Só
não me peçam, jamais,
pra renegar as origens,
nem tentem, de forma alguma,
me tirar a liberdade,
porque, mesmo, ignorado,
invisível, transparente,
eu vivo pelo Brasil,
mas morro pelo Rio Grande!