MULHER GAÚCHA
Vaine Darde
Eu sou a mulher gaúcha,
Não o molde fabricado
Pelos “donos da cultura”
Aprendi aprisionada
Entre saias e mais saias
Num vestido de babados
E rendinhas corococó.
Eu sou a mulher de estância
Que na rude geografia
Também compôs a história
E povoou as distâncias
Com crianças e jardins,
Aquela que gerou filhos
Pra sustentar
ideais.
Eu sou uma sendo muitas,
Sou fruto de todas raças
Que plantaram esperanças
Nos confins das sesmarias:
Um pouco de cada fêmea
Que semeou sonhos no campo
Para um dia colher pátria.
A índia que viu seu povo
Conquistado pela cruz
Dominado pela cruz
Para depois ser espoliado
Pela espada assassina
Que manchou o campo de sangue
Agindo em nome da cruz.
Eu sou uma sendo muitas
Sou a moça européia
Que atravessou o oceano
Pra plantar a juventude
Nos confins do Novo Mundo,
Que trouxe baús de sonhos
Pra ter rancho e gerar prole
Nos ermos do sul do sul.
Eu sou uma sendo muitas.
Sou a negra escravizada
Que arrebatada dos seus
Seguiu o rumo do ocaso
Nos porões das caravelas,
E no inferno das senzalas
Pariu gerações de bravos
Dos engenhos ás estâncias,
Da corte ao
saladeiros,
Até os negros lanceiros
Das hostes de Canabarro.
Quando os homens se
ausentaram
Para sustentar fronteiras
Eu semeei e colhi nesse
Pois mantive o boi no pasto
E o charque no varal.
Não fui vestida de renda
Que finquei pé na porteira...
Ainda vestindo bombacha
Pra cavalgar horizontes.
E os que hoje ditam moda
E modelam figurinos
De formas incompatíveis
Com as exigências do campo,
Onde estavam os senhores?
Onde estavam os senhores
Quando na falta de tudo
Eu me desfiz da vaidade
E vesti sonho e remendo
Para fermentar futuro
E prantear filho e marido?
Onde estavam os senhores?
Que inventam tradição
Quando remendei os trapos,
E fui homem sendo fêmea,
Na rude lida rural
Pra manter a economia
Em pleno tempo de guerra?
Pois mesmo após os conflitos
O Rio Grande ainda era
grande...
Eu sou a mulher gaúcha
Alma, fibra e ideal,
Muito além dos figurinos
De estilistas provincianos,
Muito além da pretensão
Dos que criaram manual
Pra vestir com fantasia
Quem foi guapa com a vida
Pra parir o Rio Grande!