ESSE TAL GURI DE RUA
Vaine Darde
No campo não tem guri de rua.
Não, porque o campo não tenha rua,
mas porque, no campo, todo guri,
por mais humilde que seja,
tem, na janela do rancho,
horizontes pra sonhar...
Guri de campo, mesmo de pés descalços,
pisa em estrelas nas sangas,
nas noites de lua cheia,
quando brinca com os astros
perseguindo os pirilampos.
E, mesmo sem rua,
sabe todos os atalhos
dos caminho que escondem
as auroras nas amoras
e os ocasos nas pitangas.
Sabe a época das messes
quando o sol doura as laranjas,
os melões e as bergamotas
e o mel das lechiguanas
amadurece de luz.
Guri de campo,
se molda às necessidades,
aceita as penas da vida
sem contestar o destino,
porque sabe que o campo
possui riquezas tamanhas
pra quem souber ser guri.
Por mais rota a bombachinha,
desbotada, remendada,
guri de campo não liga
pra essa tal de vaidade
que leva o piá de cidade
a cometer desatinos...
E, depois, guri campeiro
vive bem com seus avios,
linha de mão e espinhel...
Pois a roupa pouco importa
quando o mundo abre as portas
pra os olhos vestirem céu.
Nem todo guri de campo
tem um petiço baldoso
para correr pela estância,
porém, não há guri de campanha
que não tenha um cachorro,
porque, guri, sem cachorro,
no campo, não é guri.
Na cidade sim, os guris se extraviam
por que ninguém se preocupa
com quem não seja seu filho,
porque ninguém possui tempo
pra doar um segundo
de amor a quem precisa...
E tanto guri se perde
pelas ruas do destino
por falta de um afago,
pela ausência de um beijo,
pela carência de amor.
Guri de campo, não....
dificilmente se perde,
e se acaso ficar órfão
como tantos por aí...
O guri procura o campo
e o campo adota o guri.
A cidade, sim...
A cidade é cruel
no que exibe nas vitrinas
e depois nega ao guri.
A cidade fere no que engana...
Judia no que promete...
Exibe exuberâncias
e, depois, deixa a infância
sem ter sonhos pra sonhar.
No campo, ah, no campo,
guri é dono do açude,
é senhor dos lambaris,
e em cada salso chorão
tem um castelo secreto,
e, pela beira do rio,
sabe todos os segredos
dos jundiás e das piavas.
O campo nunca promete
encantos que não contém.
O campo é rude e, às vezes, dói...
O campo é firme
nos limites que impõe...
Porque, guri, é guri
e aí se forja o homem.
E porque o campo acolhe
tudo aquilo que procria,
no campo não se contempla
esse tal guri de rua.