SINHÁ RITA
Ubirajara Raffo Constant
Foi na festa do casório
Da filha da Joana Mansa
Quando eu olhava pras dança
Que conheci sinhá Rita;
Era a prenda mais bonita
Que ali no meio da sala
Envoltos os ombros num pala
Sapateava a chimarrita.
Eu olhei, ela olhou,
Nós dois fiquemo
se olhando...
Cada qual se desmanchando
No mais dengoso mirar;
Mas eu fiz
ela notar
Na força da minha paixão
Que ali se achava um varão
Que sabia respeitar.
E aqueles dois olhos negros,
Tão negros
quanto suas tranças,
Ficaram qual
duas lanças
Cravadas nos olhos meus;
E aqueles volteios seus
Fizeram tão delicados,
Que esse guasca enamorado
Se sentisse como um Deus.
Então, na força do amor
Daquele encontro primeiro,
Sob a luz do candieiro
Que iluminava o salão,
Eu senti o coração
Corcovear dentro do peito
Quando ela, com dengue e
jeito,
Me segurou pela mão.
E já saímos os dois
Bailando cheios de amor;
Beijava-me a face a flor
Que a negra trança enfeitava;
Sinhá Rita suspirava
Perdida num doce enleio...
Arfava-lhe o casto seio
Quando em meu peito
encostava.
Depois, lá fora, calados,
Nós dois pra lua mirando,
Eu e ela, os dois sonhando
Perdidos num só desejo...
Me lembro, corou-lhe o pejo
E seu seio estremeceu
Quando a lua se escondeu
E surpreendi-a em um beijo.
Tempos depois no casório
Nós dois sentados num banco,
Ela vestida de branco
E um véu com flores da mata;
Eu pilchava
naquela data
O meu jaleco colorado,
o meu chiripá bordado
E minhas chilenas de prata.
Que linda estava a sala
Toda enfeitada de flores,
Lanternas, fitas de cores
E o altar que se improvisou;
Sinhá Rita ali chorou
Em uma incontida emoção
Quando depois da oração
O vigário nos casou.
Me lembro como achei lindo
Naquele rosto inocente
Ver duas lágrimas quentes
Correrem cheias de amor...
Depois sentir o calor
Daqueles lábios trementes,
Mais puros do que a vertente,
Mais
perfumados que a flor.
Houve uma grande festança,
Tortilha, fervido e fiambre...
Assou-se carne e matambre
Pra servir aos
convidado.
Pra o baile ser impeçado
A gaita rompeu aflita
E saí com Sinhá Rita
Num chote
bem figurado.
Virava da meia-noite
Quando partimos pra choça;
A pampa ficou só nossa,
Só nossa ficou a vida;
E fui pela várzea florida
Ao trotezito
silvando
E na garupa carregando
A minha prenda querida.
Ladeando uma guajuvira
O rancho nos esperava;
Bem aprumado ele estava
Na volta de um corredor;
Aquele rancho a rigor,
Em sua simplicidade,
Seria para a eternidade
O nosso ninho de amor.
Ali a ponta dos dias
A tropa do mês formou.
Feliz um ano passou
E nosso amor mais cresceu.
Sinhá Rita ali me deu
Todo amor e todo o afago...
Nenhum paisano no pago
Foi mais feliz do que eu.
Mas quis um dia o destino
Que tudo aquilo findasse
E que meu rancho passasse
Por uma amarga mudança;
Que a dor e a desesperança
Ali fizessem guarida
E que da prenda querida
Restasse a dor e a lembrança.
Foi bem num entardecer,
Já quase boca da noite,
Da desgraça o negro açoite
Em minha porta bateu;
O meu rancho emudeceu,
Meu peito se fez em
pedaços...
Rindo e chorando em meus
braços
Minha sinhá Rita morreu.
E hoje quando nas tardes
Se borca
o sol no infinito
E a noite chega ao tranquito
Silenciando a soledade,
Na tristeza que me invade
Em tudo sinto um lamento,
Há pranto na voz do vento,
Há pranto em minha saudade.
Já nada, nada me resta,
Minha vida já nada espera,
Já não há mais primavera,
Meu sofrimento há de ser
eterno...
De um amor puro que me foi
tão terno
Hoje somente a saudade
existe...
A minha vida será sempre
triste
E no meu rancho será sempre
inverno.