ROMANCE DO TAPEJARA MORTO

Ubirajara Raffo Constant

 

Retovado num poncho batará canela,

Um panuelo branco a lhe cobrir o rosto,

Fui encontra-lo ao vigiar das velas

Na manhã fria de um princípio agosto.

 

Já estava mui velho!...de a tempos a morte

Lhe vinha rondando para o arremate;

Já não podia com palheiro forte

E usava jujos para quebrar o mate.

 

E dizer que em moço foi um puma ágil...

Nem cheia ou tormenta ao seu flete atacava;

Florão de ginete, esbanjando linhagem,

Aos mais embruxados baguais gineteava.

 

Pionaço vaqueano!...foi um respeito

No laço, no aparte, rodeio ou tropeada...

E quando soltava calhandras no peito

Luxuoso era vê-lo no ardor da pajada.

 

Se muitos lhe viram numa milongueada

De canha floreado floreando na dança

Indiado e altivo para muitas patriadas

O pago lhe vira partir com a lança.

 

Mas, por mais que um seja baldoso e cancheiro,

Por mais que corpeie, sofrene e se quadre,

Para o laço do tempo bagual é cordeiro

E nunca se leva ninguém p’ra compadre.

 

O tempo que a toda andança amadrinha

Aos poucos do guapo sua coima tirou...

Enquanto a faca cambiou tantas bainhas

O negro bigode bem branco ficou.

 

Do corpo curvado nas mãos tremulava

A dura razão de que tudo passou;

Lembrava um palanque careado no tronco,

Guitarra encostada que a vida empenou.

 

Se quedava frente ao velho rancho

Mateando quieto ao findar das tardes;

Sentado em um cepo, solitário e manso,

Olhar distante a ruminar saudade.

 

Mas compreendia o campeiro velho

Que lhe restava no fim da jornada

O alento de poder deixar

Miles exemplos para a paisanada.

 

E no aconchego das noites galponeiras

A peonada junto ao fogo de chão

Se entaipava nos conselhos buenos

Que lhe regalava o tapejara ancião.

 

Tropeadas, bailes, domas e retoços...

A xucra ciência da campeira lida...

Experiências escolava aos moços

Acolheradas no andejar da vida.

 

E qual um pajé sentado ao pé do fogo

Ia lonqueando seu guasca evangelho...

Ah!...se foi guapo para saber ser moço

Foi bem mais guapo para saber ser velho.

 

Por isso a morte ao fazer o aparte

Lhe teve respeito, teve um gesto lindo...

Se chegou de manso junto ao catre

E o abraçou quando lhe viu dormindo.