APEGO
Ubirajara Raffo Constant
Nasci em um rancho crioulo
Num quartito
de só uma janela;
Meu berço foi uma gamela
Forrada por um pelego;
Nem pronto me fiz borrego
Já me montaram no cavalo
Pra que eu sentisse o embalo
Macio de um crioulo azulego.
E assim que me criei nas
coxilhas
Aprendendo a lida campeira
E a estender de corda inteira
Seja um laço ou um sovéu...
Pra que a copa do meu chapéu
E até o botão da presilha
Fiquem chulheando
as rodilha
Se desmanchando no céu.
Bem piazote
me fiz ginete
Em bagual e em aporreado
Baixando o mango cruzado
Nos quartos e nas paletas...
Oigalê!...que tem venetas
As puas das nazarenas
Charqueando sem sentir penas
Os dois flancos do cerdudo.
Caramba!...que é macanudo
Quando o índio ali se vai
Naquele cai
mas não cai...
O chão mais longe e mais
perto...
E largar no campo aberto
Um grito de sapucai.
De já hoje s’tava pensando
Se eu resolvesse me cambiar;
Se no povo eu fosse morar
Deixando o
meu Garupa...
O que iria eu fazer lá
Sem meu galpão na manhã...
Sem o grito do tajã
E a flor do caraguatá.
De manhãzita,
com o sol ainda aninhado,
Já me levanto pra lida,
E sempre de bem com a vida
Ganho os campos a trotear...
E tenho, no dia a clarear,
O canto claro de um galo
E mais esse apego ao cavalo
E a glória de encilhar.
Quando o pingo pede as casas
Na hora do entardecer
É lindo
a gente volver
Na tarde que se desfaz...
A prenda, o rancho, a paz,
O reluzir da boieira...
E ouvir do sabiá laranjeira
O seu canto montaraz.
Me agrada, aos domingos no inverno,
Quedar-me ao rancho pampeano
Ouvindo silvar o minuano
Nas frinchas e no aramado,
As brasas dourando o assado,
A milonga
chorosa no pinho...
E a “damajuana”
de vinho
Voluntariosa ao costado.
Mas, gosto não se discute,
É ditado mui antigo...
E Deus do céu...que
é nosso amigo,
Não nos impõe diretriz.
Há uns que gostam de Londres
E outros preferem Paris;
Mas eu, nessa terra tamanha,
Longe da minha campanha
Não consigo ser feliz.