ÚLTIMA CAMPERIADA

Sebastião Teixeira Corrêa

 

Dormia a noite em silêncio

Na madrugada infinita,

A lua desceu bonita

Na imensidão do horizonte,

Brotava sombra nos montes,

Cobrindo em trevas o pampa,

E a noite negra descampa

Das profundezas das fontes

 

Madrugada fria e morta

Que o mês de julho trazia,

Onde até a terra tremia

Do frio tirano e maldito,

Que faz dos pobres aflitos,

Ao leito feito de palhas

E distribui mortalhas

Com seu sarcasmo infinito.

 

Ao longo dos corredores,

Rente ao aramal esticado,

Palanques enfileirados

Como cruz de cemitério,

Envolviam de mistério

A noite já tão escura

Como estranha criatura

De algum fantasma gaudério.

 

E o guasca cortava o pampa

No silêncio das estradas,

Lembrando das campereadas

Que um dia o tempo levou,

E a saudade que ficou

Naquele peito aragano

Fez reviver desenganos

Que a vida já apagou.

 

E reviveu, na noite fria, o rancho triste

Que ele deixara tão longe, e agora

Por mais que o pingo sangrasse nas esporas

Conseguiria voltar,

E teve a impressão de ouvir berrar

A boiada na querência,

E de ver um a um, a peonada em continência

Nas manhãs de rodeio a ginetiar.

E a tarde o mate,

A noite a ronda, a campereada,

Bebendo o fresco das madrugadas

Cantarolando magoas sentidas,

Das aspas dos bois livrando as investidas

E dos potrilhos chucros livrando os manotaços

E ao relento do sol o cansaço

A esporear as carnes doloridas.

 

E o campo, agora frio, coberto em gelo

E a noite horrenda continuava escura,

E não havia nenhuma criatura

A não ser o guasca, que ao relento

A carregar as ilusões nos tentos,

Continuava em silêncio a campereada,

Sem saber que era a última madrugada

Que ele podia ver o firmamento.

 

E na curava de um atalho, ao longe,

Como um relâmpago cego pressentiu

No corpo friorento um arrepio

E viu em sua frente a morte,

Negra e sombria como sua sorte

Que fazia do guasca um moribundo.

 

Lutou com a morte como um bravo

Gritando com força ao pampa inteiro,

Que em silêncio assistia o entrevero

Do duelo mortal que se fazia

E a força brutal se repetia

Na ânsia louca de viver,

E frente a frente com a morte a combater,

Na madrugada cada vez mais fria.

 

Mas do duelo com a morte não escapa,

E o guasca foi tombando já vencido

Soltando um grito, mais como um gemido

De adeus ao rancho que deixou

De saudade da china que ficou

A soluçar tristonha na partida

De saudades até da própria vida

Que o fatalismo da noite acabou.

 

Este foi o último grito

Do guasca na campereada,

E o silêncio nas estradas

Brotou tão negro e profundo

Que ate mesmo o próprio mundo

Já não pode ouvir mais nada.

 

Por isso no mês de julho

O pampa dorme mais cedo,

A lua morta de medo

Faz silêncio a joranada,

Se ouve nas madrugadas

O clamor do pampa aflito

Como se ainda fosse um grito

Do guasca na campereada.