RAZÕES DE PARTIR
Sebastião Teixeira Corrêa
É ainda de madrugada,
E pelas frinchas do rancho
Vejo um clarão que se espalha
Pelos caibros do galpão
É o clarão das labaredas
Que são flâmulas douradas
qual bandeiras coloradas
Sobre o mastro de um tição.
Levanto, desço, e da escada,
Vejo que é grande a geada,
O pampa é todo silêncio,
Abro a porta bem com calma
E encontro a olhar o brasedo
Um velho que não tem medo
De prosear com a própria
alma.
Seu rosto é muito sereno,
E a cuia de chimarrão
Aninhada em sua mão,
È como um troféu de lutas
Ostentado com entono.
Pra mim é mais que um herói,
Foi ele que me ensinou
A ser o jeito que sou,
Livre, qual potro sem dono.
Me chego, sento e me ponho
A falar bem despacito,
Olhando os flecos bonitos
Das franjas das labaredas.
Há uma magia tão grande
Neste fogo de galpão
Que nos traz a inspiração
com asas feitas de seda.
Meu velho pai, nesta noite,
Meu sono também se foi,
É como um carro de boi
Que dobra o último cerro
Pra se perder na distância.
E eu fiquei acordado
Remoendo sonhos e planos,
Pra quem tem pressa dos anos
A noite é uma criança.
Eu sei que é grande a
surpresa
De ver-me assim deste jeito
Mas é que aqui no meu peito,
Bate forte um coração.
É um potro que corcoveia
Que se boleia e se prancha,
Relincha pedindo cancha
Como o dono do rincão.
Sabes meu velho, faz dias,
Que ando a pensar no que
faço,
Aos poucos vejo o cansaço
A bater na sua porta
Rondando sua existência.
Já não és
o mesmo moço
Embora traga nos tentos
Trançadas de sofrimentos
Muitas braças de
experiências.
E eu que ainda sou piá,
E tenho a vida pela frente
Neste mundo diferente
Que se torna mais selvagem
A cada dia que passa.
Já me sinto no dever
De encilhar meu próprio pingo
E buscar meu próprio rumo
Como um sinuelo
da raça.
Porém não quero que entendas
Que vou porque sinto falta
De coisas sem importância,
Mas é tão grande esta ânsia
Que já não posso conte-la.
E na hora em que a boieira
Surgir pras bandas do Norte,
Lhe peço que sejas forte
Pra que eu não ceda ao
instante
De dar adeus e partir.
levo a mala de garupa,
O poncho, a pilcha e o relho,
Levo também seus conselhos
Que vão comigo onde eu ir.
Quero buscar lá de novo
As razões de tantas coisas
Que não consigo entender:
Pra alguns é dado o poder
E o direito de mandar
Como donos da querência.
Mandam nas Leis e
consciências,
Fazem crer que ao seu valor
O povo deve favor,
Servidão e obediência.
Vou lutar pra que algum dia
Possa encontrar meu espaço,
Mesmo que sangre meus braços
E resseque a boca exangue.
Vou lutar com alma e sangue
Pra que os mandantes chefetes
Saiam de seus gabinetes
E venham
montar num pingo
E andejar pelas coxilhas
Conhecer as maravilhas
Que existe neste Rio Grande.
Talvez assim compreendam
O que de belo ainda existe
O que aos rigores persiste
E ao fulminante processo.
Talvez decretem recesso
Á desgraça que semeiam
E á devassa que incendeiam,
Com pretextos de progresso.
E um dia quando eu voltar
Neste chão onde eu nasci,
Onde pude ser guri
E correr num campo aberto,
Hás de encontrar-me, por
certo,
Transformado em homem feito.
Mas há de ver que o respeito,
E o amor por este pago
São compromissos sagrados
Que estarão sempre por perto.
E neste dia, quem sabe,
A consciência mais madura
Traçarão nova escritura
Pelas leis da tradição.
O direito e a razão
Serão enfim, estendidos,
Aos miles
guascas sofridos
Nos cinturões das cidades
onde não tem liberdade
Nem viver de cidadão.
Aí então, neste dia,
Quando justiça e igualdade
Forem a
pura realidade
Que tanto o povo sonhou,
Com teu orgulho de taura
E a voz que ao pampa se
expande
Podes gritar ao Rio Grande
Que o teu guri triunfou
!