QUERO-QUERO
Sebastião T. Corrêa
Emplumado sentinela
Que ronda a noite da\ pampa
Retratas em tua estampa
De monarca das coxilhas
Um campeador de tropilhas
A rondar na noite grande
Nos campos do meu Rio Grande
A alma dos farroupilhas.
Tens o fado do mistério
Que em teu canto preconizas
Tens a noção de divisas
De pátria e de território
No trabalho compulsório
De camperear
nas planuras
Vais registrando escrituras
Que não se lavra em cartório.
Quando à noite abres o peito
Teu canto é um grito de alerta
Que o pago inteiro desperta
Como rufar de tambores
Denunciando os invasores
Que entram sem pedir licença
Pra devastar a querência
Ao ronco de mil tratores.
És testemunha da história
Feita a casco e boleadeiras
Na patrulha das fronteiras
Montaste guarda e vigia
Pra que em cada sesmaria
Na têmpera da garrucha
Forjasse a raça gaúcha
De estirpe xucra e bravia.
Vistes surgir as revoltas
Contra o domínio central
Porque o Rio Grande, afinal,
Foi sempre o esteio mais
forte
Foi coluna e foi suporte
Da pátria que foi madrasta
E até hoje ainda arrasta
Nossas riquezas pra o Norte.
Ouvistes na noite grande
Gemidos de almas penadas
E ao rigor das geadas
Nos ranchos gemendo o vento
Confundindo-se ao lamento
Do paria humilde sem teto
Órfão de herança e de afeto
Excluso do testamento.
Contemplastes com tristeza
O corte dos pinheirais
E a tribo dos ancestrais
Tornar-se pobre e errante
Num sistema que garante
Em favor do chefe branco
Jogar seu povo ao barranco
Da miséria degradante
A paz que existe é disfarce
Porque há uma guerra presente
Expulsando a nossa gente
Do campo para a cidade
Condenando à crueldade
Das favelas sub-urbanas,
Em condições desumanas
À margem da sociedade.
É por isso que hoje vemos
Os descendentes charruas
A vagar por todas ruas
Changueando ilusões no povo
Quando penso me comovo
Me vem um pó na garganta
E a minha voz se levanta
Em busca de um tempo novo.
Eu quero ainda ouvir teu
grito
Prenunciando nova aurora
Ouvir tinido de espora
E galopar de tropilhas
Que do alto das coxilhas
Desensarilhem-se as lanças
Em defesa das estâncias
E dos ideais Farroupilhas.
Que a alma de Tiarajú
Mais forte e mais altaneira
Empunhando esta bandeira
Com galhardia e entono
Desperta do eterno sono
Lançando o brado de guerra
Aos quatro cantos da terra
Que o Rio Grande ainda tem dono.