QUANDO A NOITE TRAZ RAZÕES PRA OS MEUS ANSEIOS
Sebastião Teixeira Correa
O inverno chegou mais cedo
E a noite cobriu coxilhas com
alvo lenços de prata
O céu bordado de estrelas
Parece estar tiritando no
relento do universo;
Recolho a alma estradeira
para aquecer-se ao borralho,
Na intimidade do rancho...
Que bom matear
junto ao fogo
Nessas noites de invernias,
quando a pampa é só silêncio.
Sentir mais perto a presença
dos dois parceiros de lida,
Com sinas tão parecidas e
instintos tão diferentes;
Um... apegado
ao seu dono por um gesto de amizade,
E o outro... por liberdade (Lhe basta andejar somente!)
A “pura” desce da guampa
dando “guascaços” na goela,
Aquecendo a veia aorta
O mate rebate a canha pelo
gosto de alguns jujos
Despencados da cambona.
Retiro o charque do gancho e
cheiro a faca, a preceito,
Estendo a “manta” e ajeito,
pra cortar sobre a carona.
Na imensidão desta noite
Repenso a vida, ao mutismo
que antecede a madrugada.
Há uma tropilha de sonhos que
se achega nestas horas
Em que penduro as esporas,
das lidas e campereadas;
São as ânsias chimarronas
Que vêm sorver na cambona, esperanças malogradas.
Abro a porteira da mente,
povoada de pensamentos.
E tantos questionamentos,
porém, respostas não acho...
Vejo a largueza dos campos e
o potencial de fartura.
A febre dos latifúndios
trouxe a desgraça ao campeiro,
E o peão foi o primeiro a
sobrar nesse contexto;
A evolução foi pretexto para
matar nossa cultura,
Lavouras... Monoculturas, foram chegando, a cabresto...
Quando a idéia de progresso,
com requintes de utopia,
Foi sendo assim propalada na
linha dos quatro ventos,
Foram surgindo adventos de
indústrias e de automação
Falou-se em revolução e estipulo-se as cidades,
Motivou-se as vaidades à espera do consumismo
E a onda de casuísmos avassalou
o rincão.
Multiplicou-se os luzeiros - armadilhas luminosas-
E as promessas enganosas
foram chegando aos campeiros:
Trabalho de poucas horas,
estudo pra gurizada,
Garantia de salários; justiça
nos honorários e a compra da propriedade,
(Entregue, assim, na verdade,
aos grandes latifundiários).
Foi tudo muito depressa e o
campo ficou vazio,
Estendeu-se o rancherio nos arrabaldes povoeiros.
Se falassem, os travesseiros, revelaria nas tristezas,
Choradas nas asperezas, pelas
noites mal dormidas,
Gemendo à
dor das feridas abertas nos corações
Que foram os cinturões de
miséria e de pobreza.
Os becos dão pasto as bocas dos filhos que a rua adota,
Formando tropilhas xucras de
deserdados sociais,
Onde os valores morais
esvaem-se das artérias;
E a estampa das gentes
sérias, não se repetem nas crias
Que alimentam fantasias para
o desgosto dos pais.
É assim que o taura mais guapo se entrega pra o tinonaço
E não agüenta o “puaço” da dura realidade;
Ao compreender que a cidade
lhes rouba a maior riqueza,
Pois na humildade e pobreza
que ao campo não contamina,
Tinha horizontes por sina e
um mundo de liberdade.
Então, ao pé do baralho,
junto ao meu cusco e o cavalo,
Neste rancho solitário na
imensidão da campanha
Me sinto privilegiado, porque sou dono de mim.
Nasci pra não ser mandado nem
pra viver embretado,
Pois me sobram os corredores
e o infinito das distâncias,
Onde reponto minhas ânsias,
numa tropeada sem fim.
Hei de viver andarengo, pra alardear as injustiças
E denunciar os algozes que
teimam em matar valores,
Renegando a nossa história,
E ao cumprir a trajetória,
formar uma reculuta
Pra enfrentar essa luta a
onda de estrangeirismo
Que solapa o gauchismo, com
alienígena conduta.
Vamos lançar nosso brado,
fazer dos palcos tribunas;
E essas tropilhas reiúnas, de costumes importados ,
Que vão pra todos Estados
reverenciar suas crenças,
Porque aqui nesta querência
se faz pátria e se faz povo
E, se preciso,
de novo se proclama a Independência!!!