CORAÇÃO DE MULHER
Salvador Lamberty
Os dias sempre são
longos
e as noites sempre pequenas...
Menina, cuida as bonecas!
...como quem cuida
um adulto.
Olha o maninho pequeno,
que se manda, engatinhando,
e insiste tanto em “dandá”!
Não vá brincar com
os guris,
por que esse povo repara!
Não senta, assim,
enganchada,
fica feio ... fica
feio!
Passa o tempo, fica
moça,
cabelos longos... bonita!
mas prenda de sociedade
jamais pode andar solita;
o povo também repara,
pois toda moça direita
anda com a mãe ou o pai!
Mas a vida
desabrocha,
como a flor da sempre-viva,
em cores primaveris...
Os olhos
desbravadores,
colhem tantos horizontes
que o mundo fica pequeno
para guardar seus anseios.
Um namorado bonito,
desejado pelas outras,
era o motivo de espera,
a cada fim-de-semana.
Espera
... espera
... espera...
e os olhos secam, na estrada.
- Não podes ir ao
galpão,
onde a peonada mateia!
Nos bailes, ali
cativa,
esperando o peão convidar.
Lá na venda, um
forasteiro,
aventura-se, em galanteios,
e logo o primo Lautério
topou aquela parada:
- a moça é de
família
e homem, quando bem homem,
não falta com o respeito,
ainda mais com sexo frágil!
Vem o verão de seus dias,
num casamento em rituais
Mas não vem a liberdade,
pelo contrário, a sociedade
ainda lhe prende mais!
Torna-se dona de casa
e das rusgas de um marido,
que só lhe fala ao cobrar:
- onde estão as bombachas?
o lenço está mal passado!
minha mala de garupa
necessita de um remendo
p'ra
carregar os avios...
- Faz um bife, bem passado,
mas não carrega no sal!
Aprende até a ser ginete,
para domar tanta ausência
de quem insiste em amar
tricotando em noite calma,
tantos remendos na alma,
que nem vê o tempo passar.
Vem o filho, pequenino...
Vela uma dor, insistente,
sem dar tréguas para o sono.
Faz, com jeito, um sapatinho,
ensina, sempre os caminhos
das faculdades da vida.
Até o filho, quando adulto,
na hora do desespero,
corre p'ra mamãe querida.
Pelo mundo ainda tem gente
a reafirmar que as mulheres
carregam medo de tudo.
Um coração de mulher
é um misto de bem-queranças,
de fadários e renúncias...
Só nessa imensa grandeza
há de renascer esperanças!
Ante o olhar de sua mãe
o culpado se redime...
como pode haver o crime,
onde uma mãe planta amor?