BONECA DE PANO
Salvador Lamberty
No baú de minha infância
fui buscar inutilmente,
minha boneca de pano,
minha fiel confidente,
meu mundo sem desenganos.
Pedacinhos de verdades
dum quadro de fantasias,
tão rústica e franzina,
mas que tanto compreendia
meus encantos de menina.
Queria minha boneca,
cabelos loiros, compridos,
ora liso, ora de trança,
vestidinhos coloridos
e os olhos verde-esperança.
As pernas, com enchimentos,
como a erosão das areias,
e brincos feitos de argolas,
com o encanto das sereias
e o corpo em forma de viola.
Babados contracenando
com seios feitos de lã
fechando a circunferência.
Traziam lindas manhãs
dos cerros lã da querência
Nasciam fontes de afago
na maciez de seus dedos
e os ouvidos... feito gente!
guardavam os meus segredos
e os sonhos de adolescente.
O seu olhar de ternura
guardava o sol das tardinhas
e as profundezas de um rio...
Me sentia mamãezinha
no seu abraço macio!
Mas o tempo chegou adulto,
Ora sisudo... ora sapeca...
repontando a minha idade,
fez eu trocar as bonecas
pelos seres de verdade.
Minha mãe, muito contente,
presenteou tudo o que eu tinha,
secando minhas artérias...
- Minha filha está mocinha,
vai cuidar de coisas sérias!
Foi-se a grandeza da alma
e tudo o que era bonito,
no crime de estar crescendo...
ficou um mundo esquisito,
com coisas que não entendo.
Acredito que os grandes,
se agissem como os pequenos,
sem ódio e desesperança
teriam mundos serenos
na grandeza das crianças.
Queria minha boneca,
cabelos loiros, compridos,
ora liso... ora de trança...
vestidinhos coloridos
e os olhos verde-esperança!!!