PELAS RUAS DA CIDADE

Ruben Alves Vieira

 

Me dá uma moedinha,

Oh tio!

Um leve tremor de frio,

Pés descalços na calçada,

Roupa suja esfarrapada,

Olhos ariscos, ligeiros

Acostumados com entreveros

Da cidade agitada.

 

Se boleava pelo chão

Como corcoveio de potro.

Chamando atenção do outro

E mais outro que passava.

De vez em quando ganhava

Um resto de salgadinho,

Um doce e até um trocadinho

Que na gibeira guardava.

 

Mal havia repontado o sol

E o piazito ia chegando.

Pelas ruas se formando

O alvoroço de gente

De maleta, imponente,

De gravata e terno engomado.

Cada um para o seu lado

E o piazito, sem lado pela frente.

 

No rosto as marcas do ontem.

Nos olhos o brilho da esperança,

Que existe no coração da criança

Que vive no mundo de fantasia.

E até sente alguma alegria

Que motiva o seu viver,

Mesmo que passe a sofrer

Uma certa judiaria.

 

E assim se passa o dia

Entre uma e outra moedinha.

Se mistura coma turminha

Pelos grandes ignorados,

Que vão passando pelos lados

Em busca de seus destinos,

Enquanto o guri teatino

Nem destino tem traçado.

 

Vai para casa ao final da tarde

Quando o sol descamba na cidade.

Em sua simplicidade,

Pelas ruas chuta uma latinha.

Já é bem de tardezinha

Toma conta a escuridão,

Com umas moedas à mão

Segue o rumo de sua casinha.

 

E o pai, na espera ansioso.

Não pelo guri, seu filho querido,

Mas, pelo que teria conseguido

Lá no centro da cidade,

Porque ele na verdade

Passou o dia bebendo

E só estava querendo

Beber de novo à vontade.

 

“Só isto que conseguiu?”...

E foi desafivelando a cinta.

“Olhe para mim e não minta,

pois, vou te dar uma lição

não me venha abanando a mão

seu piá preguiçoso e arteiro,

amanhã eu quero dinheiro,

pedir, pois não tem perdão”.

 

Aqueles olhos ariscos

Se amedrontaram na hora.

E as lágrimas de quem chora

Molharam a face da criança.

Tamanha era a arrogância

De um pai sem coração,

Que batia sem compaixão

Apagando a luz da infância.

 

Chorou num canto esquecido

Até que o pranto cansou.

Dormiu e até sonhou

Que tinha rumo na vida,

Uma família querida,

Não andava de pé no chão,

Ia pra escola aprender a lição,

Tinha de sobra comida.

 

Mas, chegou o sol

Pra acabar com o seu sonhar.

Entre berros teve de levantar,

Pois, seu pai assim queria

E enfrentar um novo dia

Pedinchando por dinheiro,

Que o destino traiçoeiro

Lhe deixou pra companhia.

 

Logo ao sair do rancho

Viu uma luz bem reluzente.

E parou em sua frente

Com olhar lindo e franco,

Uma moça toda de branco

Que para o guri sorria.

Seu coração se encheu de alegria,

De paz e muito encanto.

 

A luz aos poucos foi se apagando

E a moça foi embora.

Seguiu rumo sem demora

Pra cumprir a obrigação.

Esfarrapado pé no chão

Pela calçada subiu,

Pedindo esmola pro tio,

Roendo alguma sobra de pão.

 

Lembrava da promessa do pai

E da surra que levou.

Revirou a gibeira achou

Duas ou três moedinhas,

Era tudo o que ele tinha

Mais não conseguiu ganhar,

Teve medo de apanhar

Quando chegasse a noitinha.

 

Mas, ao atravessar a avenida

Bem no centro da cidade,

Um carro em alta velocidade

O gurizito atropelou.

E seu corpinho ficou

Na sarjeta esquecido

E nem um vivente comovido

Naquela hora parou.

 

Os olhos tinham o brilho

Da mesma luz incandescente,

Que fez a manhã reluzente

Com divina companhia.

E o piazito ainda sorria

Mesmo inerte sem vida,

Com uma moeda esquecida

Em sua mãozinha já fria.