PAMPA DO AMOR

Roberto Mara


Eu amo o Pampa Gaúcho:
largo, heróico, sem bucal,
irmão da pampa oriental
e dos verdes transplatinos.
Amo os três pampas latinos,
onde nasceu a saudade
e a seiva da liberdade,
tropeando sonhos teatinos.

Amo as serras e as coxilhas,
e o sulco pro pão da vida,
e a esperança escondida
em cada curva do vento
orelhano, vivo, atento,
amadrinhando recuerdo
que retorna a passo lerdo,
feito carícia e lamento.

Amo o silêncio da noite,
pirilampeado de estrelas
brancas e azuis e amarelas,
brincando de esconde-esconde,
quando a nuvem se faz fronde
de fantasmas e paineiras,
imitando cordilheiras
que vêm sem dizer de onde.

Amo este pampa de potros
xucros, sem marca e sem dono;
os fogos de chão sem sono
e os tempos de marcação.
Amo a ternura do peão
e os causos de luas cheias,
de boi-tatás e "candeias"
e as rodas de chimarrão.

Amo seus velhos retratos
de patriarcas e palhoças;
de gringos novos e moças
com sonhos d'outras instâncias
vindos pra estas distâncias
que navegam nas lagoas,
inventando-se em canoas
dum mar sem ondas nem ânsias.

Amo a voz do quero-quero,
cortando a noite assustada,
temendo "a tatá" endiabrada,
à procura do "Negrinho";
amos seus trigos, seu linho,
Pampa-América-Latina,
Pampa uruguaia, argentina,
PAMPA DO AMOR, do carinho.

Porque trago na lembrança
os dias que não vivi,
amo esses tempos em ti,
PAMPA de todas as glórias,
e das fomes e as histórias
de bravuras e derrotas,
de "pés no chão" e de botas,
redivivas nas memórias.

Amo as porteiras abertas
que pariram as Bibianas,
as Anitas e as profanas
prostitutas dos valentes,
que deitavam, indecentes,
qual escravas de combate,
cevando luxúria e mate,
nos catres de outros ausentes.

Amo teu cheiro de pasto,
depois e antes da chuva
que igual aos vinhos da uva,
m'embriagam desde menina.
Amo teu seio de china
parideira, destemida,
que inda hoje é guarida
de semente concubina.

Por isso te amo, meu PAMPA,
com teus pobres e teus ricos,
com teus pardais, tico-ticos,
tuas garças e caranchos;
teus bailecos e farranchos
e tuas juntas de bois,
carreteando frio e sóis,
pros horizontes sem ranchos.

Amo teus filhos que cantam,
que choram a fome velha;
que criam vaca e ovelha
pra guaiaca do "doutor";
qu'acreditam no Senhor
que permite as injustiças
que se acoitam nas cobiças
com chicote de feitor.

Nesta hora de incertezas,
de preces ocas, escravas,
lembro, sem nomes, as bravas,
que com as forças do Além,
foram mãe e pai também,
pras crias que o ventre-céu,
pariu guachitos, ao léu
no PAMPA DO AMOR... Amém...