A VIDA É MAIS QUE UMA APOSTA
Pedro Darci de Oliveira
Era um ratão sobre o beiço
Chamuscando em fumo e canha,
Na vida... baldas
e manhas
Como lebre de ladeira,
Batismo, de chuva e poeira,
Neto do negro Domingo,
Chamavam-no Gomercindo,
Sem sobrenome ou bandeira.
Beirava os quarenta e quatro
Na fachada da existência.
Somou na vida, experiências,
Que traduzia em seus gestos,
Era um potro no cabresto,
Muito bem arrucinado,
Bom de doma, e de alambrado,
Servidor, franco e honesto.
Um chapéu de abas largas
Que lhe sombreava o garrão.
“Jeito calmo, bonachão”
e como pica-pau degolado,
um lenço bem colorado
como sangria de aurora,
mordendo os dentes da espora
os flecos de um couro pardo.
Este era seu modo de ser
Pra lides do dia-a-dia,
Traduzidos em valentia
Nas horas de precisão,
Nunca negou-se à um irmão
Mesmo nas horas mais feias,
E por gostar de maneias,
Veio a fama de brigão.
Era um morador transitório
Da fazenda Azambuja,
E perto da dita cuja
a Noca tinha uma venda.
A Noca
era uma prenda
Com fama de “ muito dada”
Lindona, flor de rosada
No seu vestido de renda.
Foi lá... ainda
lembro bem,
Que uma tarde de domingo,
De lobuno,
o Gomercindo
Boleou a perna no más,
Tapeou o chapéu pra trás
Entrou arrastando a espora
“tem peleia sem demora”
falou o João Capataz.
Já os olhares se cruzaram
Como quem sente, e acredita,
Um pardo
pele de chita,
E um Paraguaio salino,
Com jeito de cão ladino
Foram trocando de lado,
Ante um olhar debochado
Que trouxera de menino.
Acontece que há bem pouco
Nas carreiras de Candoca,
Como fugidos da toca
O Paraguaio e o mestiço.
Formaram um reboliço
E tarde ficou rançosa,
Numa aposta duvidosa
De uma penca de petiço.
Era daí a pendenga
Que seria resolvida,
Por que nada nesta vida
Deve ficar pra depois.
E pensando assim os dois
Iam resolver o assunto,
Mas covardes, saltam juntos
Como uma junta de boi.
Na costaneira
de um banco
Sentou pra tomar um trago,
Seu jeitão de debochado
Põe mais lenha na fogueira,
E o tal chamado “herrera”,
Se alvorota igual tormenta
E uma nuvem fumacenta
Misturou sangue com poeira.
Os comparsas se atiçaram
Como cuscada
faminta.
Pois com homem não se brinca.
Macho merece respeito...
Mesmo baleado no peito
Saiu peleando
da sala,
Caiu envolto no pala
Num corredor mais estreito.
“Foi Lastimada de morte”
gritou o macho da Noca...
com o alarido, provoca
mais vingança que razão.
E aquele olhar fanfarrão,
De centauro, de guerreiro,
Volta a tropear os potreiros
Das rodas de chimarrão.
Este o pampa pariu macho
Na palavra da parteira...
Até a própria boieira
Foi perdendo o resplendor,
A noite encheu-se de dor,
E os grilos todos calaram,
Só vaga-lumes, rondaram,
Esta cruz de corredor.