As Mães, da Guerra!

Paulo Ricardo Costa

 

Caía um breu de outono,
Sobre o manto da garoa...
E um piazito andava atoa,
Mais uma noite sem sono,
Ali num triste abandono,
Numa espera impertinente,
Dessas que faz o vivente,
Andar de porta em porta,
Quando a alma não suporta,
A ânsia que há na gente;

A Mãe também não dormia,
Vendo a angústia do filho,
Dois olhos quase sem brilho,
Que pelo breu, se perdia...
Sentindo àquela chuva fria,
Punhanlando um coração,
E buscando na escuridão,
A imagem de outros três...
Que se foram a mais de mês,
Pra essa tal de Revolução;

Como entender o que sentem,
Àqueles que fazem à guerra?
Manchando os sulcos da terra,
Com o sangue da mesma gente;
Como entender o que sentem,
Os que se acham maiorais?...
E só lutam por seus ideais,
Atrás do muro dos quartéis,
Estampando as tiras e anéis...
Em estrelatos de generais;

Tão logo, ouviu-se um tropel,
Rasgando a noite silente...
A Mãe de pronto pressente,
E o pressentimento é cruel,
Vem à boca um gosto de fel,
Num pensamento andarilho,
Quando o relincho do tordilho,
Ecoou como brado de adeus,
E dois olhos clamaram a Deus,
Que siga junto ao seu filho;

E assim, se foram os quatro,
Deixando a pobre solita...
E numa carta mal escrita,
Sob o amarelo dum retrato,
Trazendo um triste relato,
Do Piá que parte pro mundo,
Levando o sonho profundo,
De ver esta Pátria liberta,
Pois se a vida lhe incerta,
Os sonhos ainda são fecundos;

E ali ficou ela sozinha...
Remoendo os pensamentos,
Debruçada no ressentimento,
De cada notícia que vinha,
Quem um dia, foi a Raínha,
E já teve um lar para trono,
Hoje, sofre no abandono...
Sem ter direito a sonhar,
É um corpo triste a penar,
Vagando noites, sem sono;

Um dia, chegou a sua vez...
Cansou de viver na espera,
Deixou o rancho, tapera,
Que morria a cada mês,
Soltou um lote de “rês”,
Algum guaxo e orelhano,
Montou um petiço ruano,
E mandou-se campo afora,
Bebendo a angústia da aurora,
Pra banda dos Castelhanos;

E assim, passou os tempos,
Vendo o cruel das batalhas,
Que deixam restos e mortalhas,
Largadas na dor dos ventos,
Vão apodrecendo ao relento,
Cortados a lanças e adagas,
Numa crueldade, macabra...
De Irmão matando Irmão,
Sem justiça e sem razão,
Uma ganância que se propaga;

Como pode entender a guerra,
Quem nasceu pra dar amor?
E carregou no ventre, a dor...
De parir os filhos da terra,
Como pode entender a guerra,
Quem não tem olhos de cobiça?
E ainda acredita na justiça,
Se não dos Homens, de Deus,
E chora a ausência dos seus,
Na fé que a vida é premissa;

Mas um dia, foi cansando...
De andar vagando sozinha,
E em cada notícia que vinha,
Pegava seus olhos chorando,
Mas sem saber, até quando?
Tempo que a guerra determina,
Com campos, casas em ruínas,
Vertendo sangue nas coxilhas,
Onde as bandeiras caudilhas...
Tribulam na carnificina;

De que vale esta matança...
De que vale o Caudilhismo,
De que vale o ativismo,
Se só a dor fica de herança,
E a injustiça ainda se avança,
Como as pragas daninhas,
Que nunca chegam sozinhas,
Na vida dum pobre vivente,
Que vê o mundo de repente...
Levando tudo o que tinha;

Então ela, se cansou da vida,
Então ela, se cansou da morte,
Andando há anos, sem norte,
Pediu a Deus uma despedida,
Mas não podia morrer perdida,
Como morre os andarilhos...
Sem ver o fim dos Caudilhos,
Que se aproveitam da guerra,
Sem ver de novo, a sua terra,
Sem ver de novo seus filhos;

E ela voltou, após anos...
Andando por esses confins,
Viu a guerra chegar ao fim,
Mas a Paz era um desengano,
Nunca mudou os seus planos,
Com a esperança de escolta,
Mas ainda havia uma revolta...
Que enchiam olhos, de dor,
Até ver lá, no corredor...
Os quatro, vindo de volta!

Só ela, sabe o que passou,
Só ela sabe o que sentiu,
Se a vida lhe é um desafio...
Mas o sonho não acabou,
Se a guerra lhe castigou,
É ciclo, que hoje encerra,
Lembranças que ela enterra,
Pra que não ande a Deus dará,
Pois a história jamais falará,
Da dor das Mães, da guerra!