Romance de José do Canto
Paulo Edson Paim
Repontava mil silêncios...
Dia a dia, mate a mate,
Pois desejava matar
A cada gole de amargo,
As incertezas do só.
E quantas vezes – nas noites
grandes –
Vira os olhos da amada, na imaginação.
Era capataz da Estância dos
Umbus – por sorte ou fado!
Para um peão, um patrão, na
lida do gado.
Nos dedos...
Em contrapartida à rudeza de
um viver alambrador,
A destreza inconfundível...
De quem pegava uma viola e
ensimesmava um cantar.
A idade... ninguém
sabia.
- era homem de uns trinta
anos –
A certidão de nascimento...
Perdeu quando piá, ao
atravessar o Rio Uruguai,
Que enlouqueceu com as
chuvas.
Carteira de identidade, pra
quê?
Isto – dizia – foi feito para
homens mudados...
Que perderam na cidade, a
identidade.
Seus causos eram poucos e
sábios.
- o saber esta em dizer pouco
e com brilho
E ouvir tudo com sabedoria.
E quando os recém – chegados
lhe indagavam o nome,
Calmamente respondia:
José!... do
Canto.
José do Canto?, perguntavam.
Então o que canta essa aguda
garganta?
Tem moda bonita pra homem
campeiro
Que tropeia na estrada, com
saudade da amada?
Ou este violão de pendurado
foi aposentado por algum peão?
E, José...
Prontamente se aprumava e transformava o momento
- abraçadito
ao violão – num cenário musical.
José do canto cantava as
melodias mais belas.
Musicas aquelas que os olhos sentem,
E o coração emudece.
Porque o cantar embala a alma
do campeador,
Que canta e encanta no
campo... por amor.
Em muitas noites...
- pra os peões da estância e
tropeiros andantes –
O violão e o tocador,
Temperavam – sem igual – a
quietude do tempo.
Mas uma manhã de agosto,
O fogo amanheceu em cinzas.
O gateado do capataz José
Relinchando no potreiro,
por estar lá sem serviço.
Notícia ruim...
Corre mais que parelheiro na
raia.
Antes que o sol despontasse
totalmente,
Toda a estância já sabia,
Que no último umbu, lá no
canto da mangueira,
José lançara uma corda num
galho bem forte,
Atara ao pescoço e findara
sua história...
... de
história e cantos.
E no tronco do umbu,
esculpido a ponta de faca,
Um nome explicava o
acontecido:
Amália era o nome, Amália o
motivo.
Meia dúzia de letras na carne
do umbu.
E um homem na vertical, a
imagem de Cristo.
Depois... se
soube, por meio incertos,
Que Amália o deixara,
Pra viver farturas com um
coronel.
Amália, morena, tão bela, sua
única amada,
Que lhe fez sentir-se tudo, e
o transformou em nada!
Amália, que em muitas musicas
que José cantava, figurara.
Mas por ser homem discreto,
ninguém desconfiara.
Era a Estância dos Umbus,
antes de José do canto.
Hoje, é a Estância do
Enforcado,
Que estampa na parede do
galpão, perto do fogo de chão
Um violão... dependurado.