O TEMPO E SEU SONHOS

Paulo Edson Paim

 

Há uma incerteza galponeira nas planícies do meu coração..

 

Em meio à madrugada, na quietude de tudo,

um pensamento insistente pede pouso e pede prosa

 

Afinal!

(mesmo que não estejamos vivendo o final

-antes sim, possivelmente, um novo início de tudo)

havemos de pensar sobre uma interrogação do nosso tempo:

Quem será que é mais feliz?

O noto, que vive nas estradas deste tempo,

ou o pai do pai, que se temperou nas cruzadas de seu tempo?

Quem é mais feliz?

o homem que já acha lento o avião,

ou o homem que ainda tem fincada sua raiz?

 

Entre os dois...há um caminho de setenta anos...

Mas parece haver um milênio entre eles!

(Entre o pai do pai, o avô da história

e o neto... dos botões instantâneos, quase humanos...)

 

O pai do pai, quantas vezes, quando  moço,

repontou os cavalos do potreiro... no sábado de manhãzita:

toda a família encilhou seus pingos

e partiu sem pressa para o baile nas Laranjeiras

ou na “Estância do Morro Grande,

que era tão grande e tão perto do céu.

-o lugar que lhe deu o nome tinha a forma de um chapéu.

 

E, esse homem de bombachas,

visitou seus visinhos a cavalo,

e viu sua comunidade crescer...

viu os amigos e filhos crescerem...

e também sem pressa chegou mais cedo e chegou sempre.

(Havia um poncho de certeza cobrindo todo o seu tempo)

 

O neto fala outras tantas línguas...

voa pelas estradas...vive milhares de encruzilhadas

ás vezes vivendo para chegar neles,

outras vezes para fugir deles,

quando o desejo de seguir e de voltar

lhes parecem causar o mesmo encanto e o mesmo medo.

 

Tudo está  a um toque dos dedos desse moço,

que com milhares de outros semelhantes

vive num mundo em que o globo virou banal,

e que chamamos mundo globalizado.

Lá não é um mundo de calças curtas a pastorejar ovelhas.

É um mundo de memória eletrônica,

e de velocidade e de modernidade extrema.

(Tudo- quase sempre- a um toque das mãos

w, não raramente, a um Saara sem fim do coração.)

Há uma incerteza voando nas planícies do meu peito...

 

Um desses homens...tinha de fazer seu próprio laço

para laçar o boi que viraria churrasco e charque.

 O outro tem carne a pronta entrega

e tenta levar nos tentos suas finanças,

as vezes mais...e muitas vezes menos

generosas que as de seu avô,

mas tão valentes e instantâneas quanto o

arrebentar de um laço ou dedilhar de meia

dúzia de numerosa num telefone.

 

Um sonhava –sempre! -chegar.

O outro chega- às vezes- a sonhar

e chega sempre, e lhe parece comum o chegar.

 

Um lia e contava.

O outro ouve e consome.

E um e outro são senhores de seu tempo esses homens.

 

Um galopava em seu bem domado cavalo.

O outro navega sem barco, sem balanço e sem embalo.

Um falava do futuro...do próximo milênio...

O outro vive além do futuro e é a própria imagem do novo milênio.

 

Um sentia. O outro tem a sensação.

](E havemos de convir que entre o verbo

e o substantivo há uma abismal diferença.)

Mas os dois dizem que a vida lhes conforta o coração.

 

Quem então é mais feliz?

O homem que já acha o avião sonolento,

e vê o momento como a décima fração de um triz

ou aquele que galopava ao vento

e na terra fincou a própria raiz?

 

Já fiz essa pergunta para o meu pai...

e também a fiz ao meu filho.

(Essa pergunta surgida na lacuna de setenta anos...)

E ambos disseram ser um mais feliz que o outro.

E ambos disseram tudo, argumentam tudo...

convencidos  de que venceram e se fizeram convencer.

Mas para ambos foi um desafio responder,

como para os dois os seus contemporâneos,

é um desafio viver.

 

Há uma incerteza navegando nos planícies do meu peito.

 

(E a madrugada da alma...

é escura demais nessa horas,

quando antes da labuta da lida,

a gente mateia e matuta nas coisas da vida.)

 

Decerto é que ambos

(o homem dos meados do século 20

e o homem dos primórdios do terceiro milênio)

vivem e sobrevivem

entre a multidão e o deserto,

campeando a soma de incertos instantes...

que compõem os momentos certos.

E que fazem ambos acreditarem que o longe está mais perto,

mais perto para as certezas... dos que têm coração aberto.

 

Um e outro vivem...e caminham...e acreditam...

e se voam ou enraízam   é nos rastros de “ser feliz”.

E- apesar do tempo, desses tão distantes tempos em que vivem-

na distância de cinqüenta anos que os separa,

um anseio latente e comum entre esses homens,

moldado dom o ímpeto da coragem e da luta de sua gente:

Esse anseio... que os move!

a sempre seguir a frente...

Seguir sempre...e sempre á frente...